O home office prolongado ou até mesmo permanente e o cenário de recessão da economia têm levado empresas a revisarem planos de negócios e também o tamanho das áreas ocupadas com escritórios. Com a crise da pandemia de coronavírus, a perspectiva do mercado é de aumento do número imóveis corporativos vazios, após 3 anos de reaquecimento do setor.
A consultoria imobiliária JLL estima que, na cidade de São Paulo, o percentual de imóveis comerciais de alto padrão vagos, que encerrou o 1º trimestre em 19,3%, poderá chegar a 23% no final do ano. Já a taxa de disponibilidade, que inclui os espaços ociosos mas que ainda dependem de cumprimento de aviso prévio e de desmobilização para serem ficarem vazios, deverá saltar para 26,8%.
Confirmada a projeção, o percentual de imóveis “sobrando” no mercado poderá superar a taxa observada no final de 2016, no início da última recessão.
“Conversando com os nossos clientes, existe uma percepção das empresas que talvez não seja necessário ter tanto espaço assim e muitos estão num momento de análise e já têm planos para devolver algumas lajes”, afirma Monica Lee, diretora do segmento de escritórios da JLL.
“Tem muitos setores da economia que forem fortemente impactados pela pandemia. Algumas empresas vão passar por uma total mudança no seu modelo de negócio.”
O enxugamento de parte dos escritórios, entretanto, só deverá ser mais visível daqui mais alguns meses e em 2021, uma vez que os contratos de aluguel de grandes lajes e nos pontos mais valorizados da cidade são fechados a longo prazo, com cláusulas rígidas e multas para devoluções. Também influencia o tempo de aviso prévio e de desmontagem ou reconfiguração dos espaços alugados.
“O impacto dessas devoluções iniciais não será sentido tão forte no 2º trimestre por conta da demora para que aconteçam. Então, esperamos um movimento de aumento de vacância durante esse ano e esse processo de devoluções e ajustes dos escritórios devem acontecer por mais 1, 2 anos”, avalia Fernando Didziakas, sócio da consultoria Buildings.
Além do enxugamento de muitas operações, outros fatores que devem contribuir para o aumento da vacância de prédios de escritórios é a postergação de locações que estavam previstas para acontecer ao longo deste ano, além da inaugurações de novas torres.
A consultoria Newmark Knight Frank prevê a entrega de mais 312 mil metros quadrados de área em novos prédios de alto padrão em 2020 em São Paulo – número mais de 50% superior à média histórica dos últimos anos (200 mil metros quadrados).
Entre as empresas que já decidiram devolver áreas ocupadas para reduzir custos está o escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados. Originária do Rio de Janeiro, a firma decidiu fechar a unidade na capital paulista, no bairro do Itaim Bibi.
O proprietário das salas ocupadas pediu reajuste dos valores, enquanto o escritório queria desconto. O impasse fez com que a empresa decidisse estender indefinidamente o home office e baixar as portas da sucursal.
De acordo com Camila Mendes Vianna Cardoso, sócia do escritório, a ideia é esperar a reorganização do judiciário e, dependendo das novas práticas, voltar com posição menor.
“Ficamos muito impressionados com a rapidez que todo o Judiciário conseguiu se adaptar às novas tecnologias”, diz a advogada.
“Nosso faturamento chegou a aumentar, pois economizamos com passagens aéreas, diárias de hotel e até o tempo de nos encontrarmos com clientes que fiquem distantes dentro das grandes cidades”, prossegue. “Juízes estão nos recebendo em audiências online, participamos de julgamentos em Belém do Pará sem sair de casa.”
Apesar de o Kincaid Mendes Vianna não vislumbrar um futuro sem uma sede na capital paulista, a mudança deu tração para a adoção do home office pela equipe em determinados dias da semana, com revezamento de cadeiras em metragem menor.
Lógica igual será adotada pela casa de análise Suno Research. Diferente do Kincaid, que antes da pandemia era avesso ao teletrabalho, a Suno mantinha cerca de 30% do seu time remoto, com profissionais de fora de São Paulo.
A sede da empresa, também no Itaim Bibi, fica dentro de um prédio de coworking da WeWork. Com cinco salas alugadas, ocupavam 70 lugares fixos. Uma redução inicial de 65% foi feita. Mesmo com algum reajuste depois da pandemia, mais dias de home office serão o padrão.
Também no Rio de Janeiro, a multinacional suíça LafargeHolcim também decidiu entregar o escritório onde trabalhavam 150 funcionários no centro da cidade, segundo mostrou reportagem do “Valor Econômico”. A companhia, que emprega 1.500 funcionários no país, estima economizar R$ 2 milhões ao ano, ao eliminar custo fixo com aluguel, condomínio, estacionamento, copa, manutenção e recepcionista.
A WeWork, principal empresa de coworkings que atua no país, confirmou que comunicou aos clientes e proprietários a decisão de encerrar as operações de dois prédios no Rio de Janeiro – na Rua Visconde de Pirajá e Avenida Pasteur –, além de abortar a abertura de uma unidade em Alphaville, na Grande São Paulo.
A empresa garante que a decisão não compromete o negócio no Brasil, e segue seu plano de aberturas. O fechamento das unidades faz parte de uma “constantemente avaliação das suas operações” que visa a “otimizar o seu portfólio”.
Como parte do plano, a empresa destaca que inaugurou mais duas unidades em São Paulo neste mês, ampliando para 29 o número de prédios em que possui operação.
“Além das facilidades, vamos buscar aumentar a satisfação de quem está conosco e ajudar a gerar networking, mesmo com o home office tendo um papel mais relevante”, prossegue Mendes. “Por ora, o que nos cabe é conversar com os nossos clientes para atender aos desejos e garantir um ambiente seguro durante a pandemia.”
A avaliação dos agentes do mercado é que mesmo numa situação pós crise do coronavírus, o home office tende a ganhar espaço e cada vez mais adesão de empresas e trabalhadores. Com isso, a tendência para diversos segmentos é que os escritórios se transformem mais em espaços para reuniões, treinamentos e convívio, deixando de ser o local exclusivo para o expediente diário de trabalho.
Estudo divulgado em abril pela Kantar apontou que 23% dos brasileiros diziam estar fazendo home office. Outro levantamento recente divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) revelou que o trabalho remoto pode vir a atingir 22,7% das ocupações no Brasil, alcançando mais de 20 milhões de pessoas.
Com a maior aceitação do trabalho em casa e a percepção por parte dos gestores de que os índices de produtividade continuaram em alta, algumas empresas sinalizam para mudanças definitivas.
O Twitter foi a primeira grande empresa a anunciar o home office para sempre, em alcance global. No Brasil, a primeira a seguir esses passos foi a XP Investimentos.
Sob o mote “XP de Qualquer Lugar”, a empresa anunciou no dia 11 aos funcionários que estão todos autorizados a trabalhar permanentemente de casa. Inicialmente, os escritórios da empresa não devem ser entregues, mas transformados em locais de atendimento ou trabalho em grupo.
Capitalizada pelo IPO recente na Nasdaq, a XP diz ainda que pretende construir uma sede aos motes das grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício em uma cidade do interior de São Paulo. Uma espécie de showroom para exibir a cultura da empresa e receber clientes.
Se o aumento do trabalho remoto tende a reduzir a necessidade espaço físico das empresas, por outro lado os analistas destacam que, por enquanto, a necessidade de maior distanciamento entre as estações de trabalho também tem sido levada em conta pelas empresas do tamanho ideal da área a ser ocupada.
“Que as empresas necessitarão reacomodar os seus espaços, não há dúvidas, seja pela necessidade de redução, seja para levar o distanciamento social para dentro dos escritórios. Mas, mais uma vez, o cenário ainda é altamente incerto, as atividades ainda não voltaram ao normal e nem se sabe o prazo para que isso ocorrerá”, afirma Mariana Hanania, diretora de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Newmark.
Ela avalia que o aumento da taxa de imóveis vagos tende a só ficar mais evidente na virada do ano, e que a acentuar no caso de “uma grande retração econômica e demora na retomada”.
“Parte dos ocupantes é de empresas multinacionais, que geralmente devem seguir o planejamento e aprovação de suas matrizes, e os contratos, em geral, são negociados para que não sejam quebrados tão facilmente”, diz. “Sem contar com o fato de que temos visto os proprietários fazendo concessões e acordos para as empresas impactadas; até porque, em um cenário de alta incerteza, ninguém está disposto a correr o risco de perder a receita das locações e ainda ter que arcar com o ônus dos custos com condomínio, IPTU, entre outros.”
Em alguns casos, os descontos tem chegado a 50% do valor da locação pelo prazo de 90 dias, como mostrou reportagem do Portal G1. Os analistas lembram ainda que, no médio prazo, o aumento da taxa de vacância, poderá levar a uma queda nos preços de locação.
“O aumento de disponibilidade na cidade pode ser uma boa oportunidade para empresas repensarem sua ocupação e avaliarem seus contratos buscando melhores condições comerciais com preços que tendem a cair à medida que a vacância sobe”, explica Monica Lee.
Fonte: G1
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