O número de pessoas mortas por policiais militares na Baixada Santista chegou a 52 entre 1º de janeiro e 20 de fevereiro de 2024. É o quádruplo de 2023 (quando houve 13 mortes) e o maior número para o período desde 2017, início da série histórica, feita pelo Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).
Com isso, a Baixada, que tem 4% da população do Estado de São Paulo, concentra 45% das mortes pela PM em 2024 – nos anos anteriores, em média, respondia por 13%.
O g1 procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) por e-mail às 9h55 desta quarta-feira (21). A pasta não havia se manifestado até a publicação desta reportagem. Em posicionamento anterior, a pasta disse que as mortes por policiais são investigadas rigorosamente.
O aumento das mortes na Baixada Santista ocorre em meio operações policiais realizada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), que chegou a transferir o gabinete da Segurança Pública para a região.
Essas operações são realizadas desde 2023, quando um PM da Rota – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, considerada a tropa de elite paulista, sediada na capital – foi assassinado na região. Na daquele ano 28 pessoas foram mortas em 40 dias pela PM durante Operação Escudo – um protocolo adotado pela SSP sempre que um policial militar é morto ou ferido.
A pasta é comandada por um ex-integrante da Rota, o capitão da PM Coronel Derrite.
A ação atual é chamada de Operação Verão, e ocorre desde o final de 2023 (o governo chegou a chamar as primeiras fases de Operação Escudo, mas, depois, mudou).
Em meio essa nova ação, em 26 janeiro 2024, outro PM que integrava a Operação Verão foi assassinado na Baixada enquanto voltava de moto para casa. Nos 6 dias seguintes (26 a 31), 10 pessoas foram mortas por policiais militares na região, dobrando, para 20, o número de mortes no mês de janeiro.
Em fevereiro, outros dois PMs foram mortos, um deles um integrante da Rota, em 2 de fevereiro. Desde então, 32 pessoas morreram em ações da PM nas cidades da Baixada Santista.
Entre os mortos por policiais em 2024 está José Marcos Nunes da Silva, catador de recicláveis, morto por PMs da Rota (considerada a tropa de elite da PM) dentro do barraco onde vivia em São Vicente, na madrugada de 3 de fevereiro. A família diz que ele não tinha envolvimento com crime e pediu para não morrer. Os policiais relataram ter dado voz de prisão e que reagiram a disparos. O boletim de ocorrência foi registrado como resistência, porte ilegal de arma de fogo e drogas sem autorização.
Também foi morto Rodnei da Silva Sousa, em 5 de fevereiro. Parentes dizem que ele tinha envolvimento com tráfico de drogas e foi morto desarmado após ser atraído para uma emboscada. O boletim de ocorrência diz que os policiais acompanharam o carro em que Sousa estava e que ele apontou uma arma em direção aos PMs.
Pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP (Universidade de São Paulo), Bruno Paes Manso classifica a operação como desastrada, com elevado número de mortes em decorrência da ação
“É uma operação que já dura muito tempo, que buscava, de alguma forma, dar uma resposta para violência contra um policial – em seguida outros dois policiais morreram –, mas que acabou provocando instabilidade e desordem, levando medo para a população das comunidades onde as operações acontecem, levando problema inclusive para os policiais, que passaram a ser de vulnerabilidade. Então, é uma operação desastrada da polícia, cuja desordem pode ser medida pela taxa de letalidade de homicídios na região que está sendo atípica e diferente do resto do Estado.”
Para o pesquisador, o que ocorre na Baixada é algo semelhante a uma briga de gangues.
“É um tipo de operação que dá errado. É prejudicial para o estado, para comunidade e para os próprios policiais. É como se fosse uma briga de gangues, briga de estádio, em que homens veem suas honras desafiadas. Quem imagina que ganha é quem acha que a honra se faz pelo sangue. É coisa bárbara.”
Em posicionamento anterior, a SSP disse que as mortes de PMs são uma reação às ações de policiamento na região, e que investe em políticas públicas para diminuir as mortes de policiais, além de reforçar orientação para que a tropa use “táticas e técnicas adequadas” para “se protegerem em situações de legítima defesa”.
A pasta afirmou ainda que prendeu quase 700 pessoas e apreendeu meia tonelada de droga e 79 armas ilegais durante a Operação Verão.
Na sexta-feira (16), a Defensoria Pública de SP e outras entidades apelaram à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo fim da operação, e que os policiais sejam obrigados a usar as câmeras corporais.
A Defensoria afirma que não havia menção ao uso de câmeras pelos PMs da Rota – batalhão que já dispõe do equipamento – em 3 boletins de ocorrência de ações que terminaram em morte. E que um conjunto de 4 vítimas recebeu 19 tiros ao todo, numa média de 4,75 disparos para cada uma.
Entidades de defesa de direitos humanos também haviam feito críticas à Operação Escudo, de 2023.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recolheu 11 relatos de violações dos direitos humanos durante a operação de 2023, e a Organização Não Governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) viu falhas na investigação.
“Os ataques às forças de segurança são uma consequência direta da intensificação do combate ao crime organizado pelas forças de segurança do Estado desde o início do ano passado. Somente em 2023, as polícias Civil e Militar apreenderam 267,3 toneladas de drogas, sendo mais de 12,3 toneladas na região da Baixada Santista, causando um impacto bilionário nas finanças dos criminosos ligados ao tráfico de drogas. Nesse mesmo período, mais de 187 mil criminosos foram retirados das ruas.
Desde o dia 18 de dezembro, as forças estaduais de segurança deram início a Operação Verão, reforçando ainda mais as ações de policiamento preventivo e ostensivo na região. A reação dos criminosos a esse trabalho vitimou 3 policiais nas últimas semanas, incluindo dois PMs que estavam em serviço checando denúncias de tráfico de drogas.
Para ampliar a segurança da população bem como as investigações para identificar e prender os responsáveis por esses casos, policiais dos batalhões de ações especiais de Polícia (BAEP) da RMSP e equipes da Rota, do COE, do Denarc e do GER foram deslocados para a região para a terceira etapa da Operação Verão. Esclarecemos ainda que todas as ocorrências de morte, incluindo as registradas em confronto, são rigorosamente investigadas pela Polícia Civil com o acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário. Destacamos ainda que a Operação Escudo deflagrada na Baixada Santista no último dia 26 foi encerrada em 28/01.”
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