COMPORTAMENTO HUMANO NO LOCKDOWN –
As relações humanas desenvolvem-se na dependência da colaboração e do envolvimento entre pessoas. Diante desses aspectos surgem conflitos e rivalidades, comprometendo a liberdade e a independência, necessitando renúncia e capacidade de conviver com os contrários.
Todos esses pactos das relações humanas, ficam exacerbados diante de ambientes de crise, independente da sua origem.
Certamente essa Pandemia marcará esse século XXI, tanto pelas perdas humanas como sua repercussão na sociedade e na economia. Mudanças comportamentais com reações as mais variadas, afloram nesses momentos, propiciando uma revisão de costumes familiares, trabalhístico e sociais.
Entre várias histórias compartilhadas na internet, uma reflete bem esse momento. Um paciente procurando seu psicanalista em uma teleconsulta, ansiosamente afirma:
– Doutor eu acho que estou piorando.
– O que houve meu amigo? Há oito anos de análise você estava evoluindo tão bem! Seu pânico está voltando com o confinamento?
– Não é isso Dr., estava eu recolhido no meu quarto quando minha esposa veio me deixar um suco e algo aconteceu que me deixou preocupado. Você sabe que nós convivemos juntos há muitos anos, só que, como verdadeiros irmãos.
– Até aí tudo bem, irmãos se tratam bem. Qual o motivo da sua preocupação?
– Fiquei preocupado porque quando a ví me deu uma vontade danada de transar com ela. Acho que realmente estou piorando da cabeça.
– Fique tranquilo, isso não acontece só com você.
– Ufa! Ainda bem. Vou tomar minha boleta e dormir.
Muitas pessoas conseguem ultrapassar momentos de isolamento sem descompensar. Alguns no entanto, necessitam não apenas da presença de humanos ou animais e até de vegetais. Cães, gatos e outros animais, assim como plantas, são capazes de interagir com humanos nessas ocasiões.
Tenho uma amiga que mora em Nova York e ao visitá-la em seu apartamento, notei que o mesmo era muito pequeno, tipo um loft, apenas um único espaço. Ao chegar fui recebido por ela e um gato. Após matarmos a saudade com as notícias das nossas vidas passadas e atuais, acompanhadas de algumas doses de whisky para mim e cerveja para ela, perguntei como estava sua vida atual e como conseguia conviver com um gato num espaço tão pequeno. É com quem eu me comunico ao chegar em casa após um dia estafante de trabalho, responde ela de imediato. Hoje reconheço, não sei como seria sem ele nos momentos de muitos pensamentos negativos que frequentemente invade a minha cabeça. Me tranquiliza e não permite desistir de meus projetos, longe do meu país e minha família. Se não fosse o Bob ao meu lado, certamente seria mais difícil. Saí daquele encontro procurando avaliar a capacidade de adaptação da espécie humana e a necessidade de interagir com algo vivo para superar os isolamentos. Hoje diante desses momentos que passamos, sou testemunho de muitas histórias semelhantes.
Erich Fromm sociólogo, filósofo e psicanalista, esta última atividade desenvolvida, mesmo sem ser médico. Nasceu em 1900 na Alemanha e morreu em 1980 na Suíça. Teve uma vida muito agitada, tanto por conviver com duas grandes guerras e as dificuldades passadas com sua família de origem judia. Atuou em importantes universidades, morou em vários países, estudando e orientando muitos seguidores. Publicou vários livros envolvendo a psicologia e a sociologia, analisando os problemas e procurando elucidar as associações entre o desenvolvimento social da humanidade nos aspectos econômicos, técnicos e psicológicos, principalmente em relação à estrutura do Eu do ser humano. Entre suas várias escritas ele afirma “ É necessário a vinculação com outros seres vivos, de como essa relação é imperiosa e de como sua satisfação depende a saúde mental do homem. Essa necessidade está por trás de todos os fenômenos que constituem a gama das relações íntimas e de todas as paixões que se chamam amor no sentido mais amplo da palavra”
Provavelmente nunca pensamos que passaríamos por um problema tão estranho, obrigando-nos a um isolamento físico de pessoas e atividades profissionais, levando a perda de emoções e dificuldades de sobrevivência de toda uma sociedade. Antes não abraçávamos, nem beijávamos por envolvimento com muitos trabalhos ou ocupados com objetos eletrônicos nos tornando dependentes, em detrimento das relações humanas. Quem diria que chegávamos a isso?
Amyr Klink o navegador, que bateu vários recordes, percorrendo oceanos, sozinho em um pequeno barco relatou numa entrevista, “Vivi muitos anos no barco e descobri uma coisa que me dá prazer: o barco afunda. Quando a gente tem noção da finitude, que nada é eterno, que pode acabar em três minutos o que levou uma vida para fazer, a gente revê valores”
É necessário desenvolver uma relação entre você e outra pessoa. Essa união é importante para regular a sobrevivência de ambos. Realmente essa pandemia sacudiu a humanidade para reprogramar a sua capacidade de sobreviver diante de futuras tragédias.
Maciel Matias – Médico mastologista, [email protected]