Conhecido internacionalmente pela luta por direitos indígenas, o líder do povo Kayapó, Cacique Raoni, convocou lideranças e autoridades para firmarem um ”compromisso em defesa da Terra” em um encontro na aldeia Piaraçu, Alto Xingu (MT), que discutirá temas como demarcação de área indígenas e mudanças climáticas. O evento deve reunir 700 pessoas entre 24 e 28 de julho.
“Se nós não cuidarmos da nossa terra e de nossas florestas, se deixarmos desmatar tudo, todos vão sofrer com as mudanças climáticas, com o intenso calor e com a poluição do ar. Faz tempo que eu tenho alertado o mundo, mas é preciso continuar alertando vocês. E é por isso que eu chamo todos vocês, lideranças e autoridades, para juntos firmarmos um compromisso em defesa da Terra.”, disse o cacique sobre o evento.
A aldeia se prepara para receber os convidados. Quem quiser passar mais de um dia no evento pode ficar em redes ou montar acampamentos no local, segundo o Instituto Raoni. A proposta é que os participantes tenham a conexão com o modelo de vida dos indígenas. (veja fotos abaixo).
Na noite do dia 27, está previsto um jantar com pratos d chibé com tucupi, castanhas e ervas (espécie de cuscuz), mujica de piranha, arroz de galinha, piracaia (peixes assados na brasa) e creme de bacuri. O preparo é por conta dos chefs Roberto Smeraldi, Saulo Jennings e Morena Leite.
Atenderam ao chamado do cacique e devem participar da reunião o xamã Davi Kopenawa, liderança dos Yanomami, que vivem na fronteira entre Brasil e Venezuela; Francisco Piyãko, líder do povo Ashaninka, no Acre; Ailton Krenak, filósofo, professor, escritor, poeta, ambientalista e líder ativista da causa dos povos originários; e da líder Célia Xakriabá, a primeira deputada federal indígena eleita por Minas Gerais. Uma comitiva dos indígenas Xokleng, de Santa Catarina, também está confirmada.
O “Chamado do Cacique Raoni” promete reunir também a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e os presidentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Joênia Wapichana e Rodrigo Agostinho, respectivamente. O presidente Lula e a primeira-dama Janja da Silva também foram convidados, mas ainda não confirmaram presença, segundo a organização.
Entre os temas a serem debatidos está omarco temporal, critério pelo qual só podem ser demarcadas áreas ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, o que, na prática, permite que indígenas sejam expulsos de terras que ocupam, caso não comprovem que estavam lá antes dessa data.
As futuras lideranças do povo indígena vão ser apresentadas no evento, além estar prevista a criação de um ‘Comitê Indígena’.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Raoni afirma que os povos indígenas querem ter o reconhecimento do Congresso e dos governos, “não só agora, mas no futuro também: queremos um reconhecimento permanente dos nossos direitos”.
“Nós, povos indígenas, sempre moramos no Brasil. Antes dos brancos nossos ancestrais habitavam aqui. Por isso é legítima a nossa luta. Estou convocando caciques de vários povos e estados para estarmos juntos e formarmos uma aliança mais forte”, diz.
Programação
Esse é o segundo encontro realizado na história do povo indígena em Mato Grosso. A primeira edição foi em janeiro de 2020, antes da pandemia. Dela, saiu uma carta de compromisso das lideranças, o “Manifesto do Piaraçu“. O evento deste ano deverá gerar um novo documento.
Os três primeiros dias serão abertos apenas para as lideranças indígenas convidadas. A agenda deve iniciar no dia 24 com apresentações do povo Mebengôkre, seguidas de uma roda de conversa sobre o conhecimento histórico e político do movimento indígena e estratégias de luta para as futuras gerações.
Dia 25:
- Discussão sobre impactos e empreendimentos: os desafios e avanços para defesa territorial e ambiental das terras indígenas;
- Medidas urgentes para combater as mudanças climáticas;
- Crenças e espiritualidade dos povos indígenas
Dia 26:
- Elaboração do plano de implementação das demandas indígenas e votação para escolha dos representantes indígenas que formarão o “Comitê Indígena”;
- Apresentação das futuras lideranças por Raoni e outras lideranças mais velhas;
- Encerramento do Encontro com as lideranças indígenas e leitura do documento para os participantes a ser entregue aos representantes governamentais;
Para os dois últimos dias de evento, 27 e 28, o encontro será aberto para lideranças não indígenas e imprensa convidada. Confira a programação abaixo:
Dia 27:
- Apresentação dos objetivos do encontro, agradecimento à equipe técnica e dos convidados;
- Coletiva de imprensa com Raoni Metuktire, Megaron Txucarramãe, Almir Suruí, Davi Kopenawa Yanomami, Alessandra Munduruku e Ailton Krenak;
- Estratégias de luta para as futuras gerações;
- Força, luta e resistência: o protagonismo das mulheres indígenas;
- Jantar em Homenagem ao Cacique Raoni.
Dia 28:
- Tema: Território e Resistência
- Estratégias contra o Marco Temporal
- O papel das organizações da coordenação e seus doadores
O que é o marco temporal
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou em 7 de junho o julgamento que discute se a demarcações de terras indígenas devem seguir o chamado marco temporal, mas a votação foi suspensa por um pedido de vistas do ministro André Mendonça.
A chamada tese do marco temporal prevê que indígenas só podem reivindicar as terras ocupadas por eles antes da promulgação da Constituição de 1988.
No Congresso Nacional, a proposta de demarcação pelo marco temporal já passou pela Câmara e aguarda análise no Senado. Para virar lei, além do aval do Senado, o texto precisa da sanção do presidente Lula (PT).
Quem é Raoni
O cacique Raoni Metuktire, de 90 anos, foi um dos convidados para subir a rampa do Palácio do Planalto durante a cerimônia de posse do presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), no dia 1º de janeiro deste ano.
Raoni é um dos líderes da articulação dos indígenas em defesa dos direitos dos povos originários. Em 1989, ele teve um encontro histórico com o cantor Sting, durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira (PA).
Em novembro de 2012, o cacique foi recebido pelo então presidente da França, François Hollande, no Palácio do Eliseu. Na ocasião, o cacique pedia a preservação da Amazônia e dos povos que vivem na região.
Quando ficou internado com Covid-19, ele recebeu a visita de um bispo em nome do Papa Francisco.
Fonte: G1