Dalton Mello de Andrade

Confesso. Já roubei um carro. Mas, em circunstâncias em que qualquer um faria o mesmo, embora essa não seja uma boa desculpa. Isso foi em 1948, portanto o “crime” já prescreveu há muito tempo.

Vamos aos fatos. Estudava no Atheneu, segundo ano científico, talvez umas das primeiras turmas mistas. Éramos uns quinze ou vinte alunos. Tínhamos uma colega bonita, insinuante, que flertava com todos nós, e todos nós tínhamos uma “queda de asa” por ela. Bom papo, agradável, simpática, mas experta que só. Dava bolas a todos e não se comprometia com nenhum. Por isso, todos tinhamos esperanças.

Nós todos éramos uns lisos. Apenas um colega nosso, bem de vida, possuía um carro. Um Renault pequeno, quatro lugares e duas portas – acho que o chamavam de “rabo quente – e esse era um modelo que não tinha chave – você puxava um botão e apertava o arranque e pronto – estava no ar. Conhecia o carro, porque o dono era meu amigo, e já havia andado com ele.

Prova de Matemática. Fui um dos primeiros a terminar e sair da sala. Logo em seguida, sai nossa colega, que era boa aluna. Estávamos esperando os demais, para as discussões de praxe. Que tal? Saiu-se bem? Coisas que tais. E aí ela vem com um convite. Vamos dar uma volta no carro de fulano? Vou nada, ele é brabo como diabo, mais forte e mais alto do que eu, e pode querer me dar umas porradas! E ela, tentação em pessoa, “que nada, eu assumo a responsabilidade e ele nem sequer chia”. Sabia que ele também tinha “queda de asa” para o lado dela e topei a parada. Andamos uns quinze minutos, Ribeira, em redor do Atheneu, tempo que julgávamos ainda levaria na prova.
Quando voltamos, o bicho estrava uma fera. Naquela murada alta da escola, andando de lá para cá e de cá para lá e, quando estacionei o carro já vinha disposto a me agredir. Disse a companheira – salte primeiro e vá falar com o brabo. Ela saltou, chegou junto dele e disse: esse passeio foi ideia minha e sabia que você concordaria. O bicho amansou e ainda perguntou se ela queria continuar o passeio, agora com ele dirigindo. Agradeceu e disse que já tinha um compromisso de ir tomar um café no mercado comigo. Ainda existia; só tocaram fogo depois. Ele foi junto conosco e ainda pagou a conta. Tempos saudosos.

 Não digo os nomes por duas razões. Alguns já não estão conosco e não assinei nenhuma delação premiada. Hoje, na moda.

Dalton Mello de Andrade Ex-secretário de Educação do RN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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