Foto Reynaldo Stavale

O Congresso Nacional rejeitou em sessão nessa terça-feira (24) a maior parte dos vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que traz as regras para os crimes do abuso de autoridade.

Foram derrubados 18 dispositivos (artigos e trechos de artigos). Outros 15 dispositivos foram mantidos.

Os vetos mantidos excluem o dispositivo da lei. No caso dos vetos derrubados, os dispositivos seguirão para promulgação por parte do presidente Jair Bolsonaro.

Se o presidente não promulgar no prazo de 48 horas, a tarefa caberá ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A sessão

Durante a sessão desta terça-feira (24), vários parlamentares subiram à tribuna para falar sobre os vetos ao projeto sobre o abuso de autoridade.

A líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), disse que os trechos da proposta foram vetados por Bolsonaro para que os trabalhos das polícias e do Poder Judiciário não sejam “inviabilizados”.

“Caso esse veto seja derrubado, haverá um clima de constrangimento e insegurança por parte de delegados, promotores, juízes, pessoas que conduzem operações no combate ao crime organizado, no combate à corrupção, no combate aos crimes violentos e promoveremos um enorme benefício ao crime organizado”, disse a deputada.

Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) defendeu a derrubada dos vetos e disse que a proposta aprovada pelo Congresso é um “instrumento para coibir a prepotência, a arrogância, o abuso cometido no dia a dia contra a população brasileira”.

“Aqui não estamos falando simplesmente dos chamados crimes do colarinho-branco. É o trabalhador que mora na favela, é o cidadão comum que no dia a dia é vítima dessa arrogância, dessa prepotência e desse abuso. Isso é também para aqueles que, ao longo desse último período, abusaram das suas prerrogativas para promover no Brasil a criminalização da política”, afirmou o petista.

Ao se pronunciar sobre os vetos, o líder do PDT no Senado, Weverton Rocha (MA), citou a operação da Polícia Federal no gabinete do senador Fernando Bezerra (MDB-PE).

Depois da sessão, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que a derrubada de 18 vetos não tem relação com a operação no prédio do Congresso.

“Não tem nada a ver”, declarou. “É um desejo legítimo do Parlamento. A democracia é assim. Essa matéria já foi votada no Senado. Essa matéria veio para a Câmara. O presidente vetou e sancionou parte dela e, agora, o Congresso, num sistema de pesos e contrapesos, fez a derrubada de alguns vetos e a manutenção de outros”, declarou.

Líder do Novo na Câmara, o deputado Marcel Van Hattem (RS) protestou contra a forma que a votação foi conduzida por Alcolumbre.

“Em relação ao Partido Novo, está acontecendo mais do que uma injustiça. Está acontecendo aqui, sim, um abuso, porque está se passando por cima do regimento”, disse. Alcolumbre negou que estivesse atropelando o regimento e deu continuidade à sessão.

Vetos rejeitados

Ação penal por meio do MP

  • O que previa a proposta: determinava que os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada. Isso significa que o Ministério Público é o responsável por ingressar com a ação na Justiça, sem depender da iniciativa da vítima. Se não for proposta a ação pelo MP no prazo legal, a vítima pode propor uma queixa em até 6 meses, contado da data em que esgotar o prazo para oferecer a denúncia.
  • Motivo do veto: o presidente vetou este ponto por considerar “desnecessária a previsão”, já que pelo Código Penal a regra é que as ações penais sejam nestes moldes – a exceção é que deve estar expressamente prevista em lei. “Ademais, a matéria, quanto à admissão de ação penal privada, já é suficientemente tratada na codificação penal vigente, devendo ser observado o princípio segundo o qual o mesmo assunto não poderá ser disciplinado em mais de uma lei”.

Medida de privação da liberdade

  • O que previa a proposta: Decretar medida de privação da liberdade (prisão, por exemplo) de forma expressamente contrária às situações previstas em lei. Pena de um a quatro anos de detenção;
  • Motivo do veto: “A propositura legislativa, ao dispor que se constitui crime ‘decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais’, gera insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comportam interpretação, o que poderia comprometer a independência do magistrado ao proferir a decisão pelo receio de criminalização da sua conduta”, afirmou o presidente nas razões do veto.

Constrangimento de preso

  • O que previa a proposta: Constranger preso com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência. Pena de um a quatro anos de detenção;
  • Motivo do veto: o veto não atingiu o crime descrito totalmente, apenas uma das situações que podem ser consideradas como constrangimento ao preso: a produção de prova contra si mesmo ou contra outra pessoa. “O dispositivo proposto contraria o sistema jurídico nacional ao criminalizar condutas legítimas, como a identificação criminal por datiloscopia, biometria e submissão obrigatória de perfil genético (DNA) de condenados”, declarou o presidente Jair Bolsonaro nas razões do veto.

Constranger a depor

  • O que previa a proposta: Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo. Pena de um a quatro anos de detenção.
  • Motivo do veto: o veto não atingiu o crime descrito totalmente, mas duas situações detalhadas: quando a autoridade prossegue com o interrogatório mesmo que o acusado tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou quando o interrogatório continua sem a presença do advogado, quando a pessoa tenha optado por ser assistida por um profissional. “O dispositivo proposto gera insegurança jurídica e contraria o interesse público ao penalizar o agente pelo mero prosseguimento do interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio, embora o interrogatório seja oportunidade de defesa”, afirma o veto.

Identificação ao preso

  • O que previa a proposta: Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão. Pena de seis meses a dois anos de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa contraria o interesse público pois, embora seja exigível como regra a identificação da autoridade pela prisão, também se mostra de extrema relevância, ainda que em situações excepcionais, a admissão do sigilo da identificação do condutor do flagrante, medida que se faz necessária com vistas à garantia da vida e integridade física dos agentes de segurança e de sua família, que, não raras vezes, têm que investigar crimes de elevada periculosidade, tal como aqueles praticados por organizações criminosas”, afirma o veto.

Preso e advogado

  • O que previa a proposta: Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado. Pena de seis meses a dois anos de detenção.
  • Motivos do veto: “O dispositivo proposto, ao criminalizar o impedimento da entrevista pessoal e reservada do preso ou réu com seu advogado, mas de outro lado autorizar que o impedimento se dê mediante justa causa, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação”, afirma o veto.

Persecução

  • O que previa a proposta: Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente. Pena de um a quatro anos de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa viola o interesse público, além de gera insegurança jurídica, tendo em vista que põe em risco o instituto da delação anônima”, afirmou o veto.

Acesso a inquérito

  • O que previa a proposta: Negar acesso ao investigado ou a seu advogado a inquérito ou outros procedimentos de investigação penal. Pena de seis meses a dois anos;
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois o direito de acesso aos autos possui várias nuances e pode ser mitigado, notadamente, em face de atos que, por sua natureza, impõem o sigilo para garantir a eficácia da instrução criminal”, afirmou o veto.

Responsável por investigações

  • O que previa a proposta: Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação. Pena de seis meses a dois anos de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa viola o princípio constitucional da publicidade previsto no art. 37, que norteia a atuação da Administração Pública, garante a prestação de contas da atuação pública à sociedade, cujos valores da coletividade prevalecem em regra sobre o individual”, afirmou o veto.

Mudanças no Estatuto da Advocacia e da OAB

  • O que previa a proposta: A proposta incluía, no Estatuto da Advocacia e da OAB, dispositivo que tornava crime “violar direito ou prerrogativas do advogado”. Entre elas, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho; comunicação com os clientes; a presença de representante da OAB em caso de prisão do advogado, entre outros. Pena: três meses a um ano de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois criminaliza condutas reputadas legítimas pelo ordenamento jurídico. Ressalta-se que as prerrogativas de advogados não geram imunidade absoluta”, afirmou o veto.

Vetos mantidos

Penas restritivas de direitos

  • O que previa a proposta: condenados pelos crimes de abuso de autoridade poderiam cumprir penas restritivas de direitos, no lugar das punições com prisão; prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas; suspensão do exercício do cargo, função ou mandato pelo prazo de um a seis meses, com perdas dos vencimentos e das vantagens; proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município onde foi praticado o crime e onde mora ou trabalha a vítima, pelo prazo de um a três anos.
  • Motivo do veto: o presidente havia vetado um dos incisos que trata da pena restritiva de direitos: o que estabelecia, entre as penas, a proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município onde foi praticado o crime e onde mora ou trabalha a vítima, pelo prazo de um a três anos. As outras modalidades de penas restritivas de direitos foram sancionadas. Bolsonaro alegou, no veto ao inciso sobre a proibição de exercer funções policiais e militares “fere o princípio constitucional da isonomia”. “Podendo, inclusive, prejudicar as forças de segurança de determinada localidade, a exemplo do Distrito Federal, pela proibição do exercício de natureza policial ou militar”.

Prisão sem flagrante

  • O que previa a proposta: Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária. Pena de um a quatro anos de detenção;
  • Motivo do veto: “A propositura legislativa, ao dispor sobre a criminalização de execução de captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito gera insegurança jurídica, notadamente aos agentes da segurança pública, tendo em vista que há situações que a flagrância pode se alongar no tempo e depende de análise do caso concreto”, afirmou o presidente nas razões do veto.

Imagem de preso

  • O que previa a proposta: Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa à vexame ou execração pública. Pena de seis meses a dois anos de detenção.
  • Motivo do veto: Nas razões do veto, o presidente Jair Bolsonaro defendeu que o dispositivo gera “insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comporta interpretação, notadamente aos agentes da segurança pública, tendo em vista que não se mostra possível o controle absoluto sobre a captação de imagens de indiciados, presos e detentos e sua divulgação ao público por parte de particulares ou mesma da imprensa, cuja responsabilidade”.

Algemas

  • O que previa a proposta: Submeter preso ao uso de algemas quando estiver claro que não há resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do preso. Pena de seis meses a dois anos de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa, ao tratar de forma genérica sobre a matéria, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, há ofensa ao princípio da intervenção mínima, para o qual o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, além do fato de que o uso de algemas já se encontra devidamente tratado pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma o veto.

Invasão de imóvel

  • O que previa a proposta: Invadir ou entrar clandestinamente em imóvel sem determinação judicial. Pena de um a quatro anos de detenção.
  • Motivos do veto: o veto não atingiu o crime descrito totalmente, mas uma situação específica: quando a autoridade invade para executar “mandado de busca e apreensão em imóvel alheio ou suas dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame”. Nas razões do veto, o presidente Jair Bolsonaro explicou: “A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo a ‘forma ostensiva e desproporcional’, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação”.

Indução a infração penal

  • O que previa a proposta: Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei. Pena de seis meses a dois anos de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa gera insegurança jurídica por indeterminação do tipo penal, e por ofensa ao princípio da intervenção mínima”, afirmou o veto.

Erro em processo

  • O que previa a proposta: Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, com competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento. Pena de três a seis meses de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa, ao dispor que ‘erro relevante’ constitui requisito como condição da própria tipicidade, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, o dispositivo proposto contraria o interesse público ao disciplinar hipótese análoga ao crime de prevaricação”, afirmou o veto.

Coibir reunião ou associação

  • O que previa a proposta: Coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo. Pena de três meses a um ano de detenção.
  • Motivos do veto: “A propositura legislativa gera insegurança jurídica, tendo em vista a generalidade do dispositivo”, afirmou o veto.

O projeto

A proposta, aprovada no dia 14 de agosto pelos deputados, estabelece uma série de crimes relacionados à atuação de servidores e de integrantes dos três poderes, que podem ser considerados como abuso de autoridade, além de determinar a forma como vai ocorrer o processo penal, a responsabilização e os efeitos da condenação pelas infrações.

O projeto, que veio do Senado para a Câmara em maio de 2017, não passou por discussão em comissões – foi direto à votação no Plenário por conta da aprovação de um pedido de urgência, aprovado horas antes da votação do seu mérito.

O texto estabelece quais agentes públicos da União, estados, Distrito Federal e municípios, da administração direta ou indireta, são capazes de cometer o crime de abuso de autoridade. Entre eles:

  • servidores públicos e militares;
  • integrantes do Poder Legislativo (deputados e senadores, por exemplo, no nível federal);
  • integrantes do Poder Executivo (presidente da República; governadores, prefeitos);
  • integrantes do Poder Judiciário (juízes de primeira instância, desembargadores de tribunais, ministros de tribunais superiores);
  • integrantes do Ministério Público (procuradores e promotores);
  • integrantes de tribunais e conselhos de conta (ministros do TCU e integrantes de TCEs).

 

 

Fonte: G1

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