CONVIVENDO COM LAMA E FOME –
Habitué em degustar, nos bares de Maceió, buchada, mocotó, tripa de porco, sarapatel, rabada, torresmo, tutano de osso, chambaril e outros calóricos e venenosos alimentos, além de lá em Caicó, haver tomado banho, tanto no rio repleto de schistosoma, como nas biqueiras das casas, cujas aguas, em dias de chuva, traziam todo o tipo de sujeira, imaginava-me imune a qualquer tipo de vírus. infelizmente não foi bem assim.
Em época de reclusão forçada, as atividades se iniciam com exercícios caseiros, que me deixam exausto, ao término dos quais, querendo que o dia acabasse antes de começar. Banho e desjejum tomados, acostumei-me a dividir a manhã, em três momentos distintos: escrever aventuras literárias para posterior publicação em livro e jornais impressos ou digitais, ler ou reler coletâneas interessantes e, por último, já no final da manhã, atualizar-me com as notícias através da televisão, ou celular.
Após o almoço, escovava os dentes e repetia a rotina anterior. Nada de cochilar. Invariavelmente pernas, braços e musculatura da barriga ainda doíam devido ao esforço matinal. Em um piscar de olhos, já eram cinco da tarde e acomodado na varanda, escutando musicas, tomo chá de maça ou ervas para acalmar o estômago, tempo em que passo a admirar o mar, com o solitário vai e vem das ondas acariciando a praia da Jatiúca, parecendo carente da presença humana. No prédio vizinho, alguém dependurou em sua parte externa uma bandeira da gripe (Flu em inglês significa gripe).
Naquele dia, admirando a lua já despida de seu véu e flutuando a encantar o céu, defronte de minha varanda, vislumbrei um pedinte, deitado debaixo de um dos bancos de concreto existentes no calçadão. Revivi, em minha mente, a maciça campanha do governo, incentivando a permanência no lar, sempre limpando as mãos com álcool em gel, sem nunca deixar de lavar os alimentos vindos do mercado.
Lembrei quando, no mês anterior, visitara a Vila Brejal, às margens da Lagoa Mundaú. Lá chegando, verifiquei serem de lona preta, o fechamento e a coberta de inúmeros barracos do local, medindo, cada um, no máximo dez metros quadrados, invariavelmente ocupados por mães quase sempre buchudas, carregando filhos catarrentos e convivendo com lama e fome,
A energia elétrica, quase sempre proveniente de ligações clandestinas, necessidades fisiológicas realizadas em sacos plásticos, que ao término, amarrados pela boca são jogados na lagoa. Pessoas não tendo o que comer, desprovidas de dignidade e esperança, nem ao menos sabendo o que é álcool em gel, como poderiam o tê-lo a seu dispor para assepsia das mãos? Se nem possuem água potável para se servir.
Ainda meditando, imaginei que o coronavírus não chegara ao Brasil por intermédio daqueles moradores, cuja miserável realidade conheci, mas talvez, tenha vindo para acabar com parte deles. Vivendo, veremos… isto é, desde que os verdadeiros números da doença sejam divulgados e passem a influenciar as estatísticas oficiais.
Estrelas dominam o firmamento. A noite, contudo é como criança distraída, sempre uma igual às outras. Assisto filmes na TV até o sono chegar levando-me a um repouso profundo. Adormeço, para novamente acordar e repetir a rotina.
Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras