Dados do relatório indicam que um em cada três Yanomami já pode ter sido contaminado pelo novo coronavírus  — Foto: Pieter Van Eecke/Clin d'Oeil Films
Dados do relatório indicam que um em cada três Yanomami já pode ter sido contaminado pelo novo coronavírus — Foto: Pieter Van Eecke/Clin d’Oeil Films

Relatório inédito produzido por uma rede de pesquisadores e líderes Yanomami e Ye’kwana indica que a pandemia de coronavírus avançou 250% em três meses dentro da Terra Indígena Yanomami e um em cada três moradores da região pode ter sido contaminado. A situação é descrita como “total descontrole.”

Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami fica entre os estados de Roraima e Amazonas, e em boa parte da fronteira com a Venezuela. Mais de 26,7 mil índios – incluindo grupos isolados – habitam a região em cerca de 360 aldeias.

O número de casos confirmados no território saltou de 335 para 1.202 entre agosto e outubro, conforme o documento intitulado “Xawara: rastros da Covid-19 na Terra Indígena Yanomami e a omissão do Estado”.

Monitoramento da ONG Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, que integra o relatório divulgado nessa quarta-feira (18), contabiliza 23 mortes, entre confirmados e suspeitos de Covid-19, de indígenas da etnia.

Os primeiros casos da doença na região foram registrados em abril na terra Yanomami. No mesmo mês, o adolescente Alvanei Xirixana, de 15 anos, foi a primeira vítima fatal da doença. Ele ficou internado por seis dias no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista.

Até a divulgação do relatório, os casos da doença tinham sido registrados em 23 das 37 regiões da terra indígena. O cenário se agrava em razão da presença de garimpeiros na reserva. Líderes indígenas afirmam que eles são os principais vetores da doença entre o povo. “É o garimpo ilegal que está levando essa nova xawara [doença] para dentro da floresta.”

A Terra Yanomami foi considerada a mais vulnerável ao coronavírus entre as regiões indígenas da Amazônia por um estudo elaborado pelo Instituto Socioambiental (Isa), parceiro no relatório, e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O descontrole, pontua o relatório, ocorre em razão da baixa testagem por parte do Ministério da Saúde. Os dados revelaram que há 11 regiões da terra indígena onde foram realizados menos de 10 testes. E outras três onde nenhum foi feito.

“Ou seja, em mais de um terço das regiões há pouquíssima informação sobre a chegada da Covid-19, reforçando as denúncias dos indígenas de que em realidade o número de contaminados pode ser muito maior.”

Em toda terra indígena, de acordo com os dados, foram feitos 1.270 testes, entre positivos, negativos e descartados, ou seja, menos de 4,7% da população total foi testada.

“Dessa forma, sem uma avaliação efetiva e sistemática, é impossível rastrear a doença e controlar sua expansão nas comunidades. A baixa testagem mascara o real cenário de infecção por Covid-19 entre os Yanomami e Ye’kwana, de modo que o cenário conhecido está longe de ser a realidade do impacto da Covid-19 na TIY. E os casos confirmados não param de crescer.”

Para chegar aos número de infectados divulgados no relatório, a Rede Pró-Yanomami Ye’kwana montou um sistema de monitoramento de base comunitária, em contato com lideranças e associações indígenas, para acompanhar o avanço da doença. A ideia era traçar um panorama que incluísse casos subnotificados.

Os dados do relatório, por exemplo, são maiores que os divulgados nessa quarta-feira (18) pela Secretaria Estadual de Saúde, onde havia 1.052 Yanomami infectados e nove mortes causadas pelo coronavírus. Esses números são informados pelo distrito sanitário de saúde responsável pela reserva.

“Com o uso de uma quantia muito insuficiente de testes rápidos em locais com alta chance de transmissão comunitária, a real situação da pandemia nas aldeias yanomami e ye’kwana fica mascarada”, alerta o relatório.

Desde junho, para mudar essa realidade, os indígenas têm feito a campanha “#ForaGarimpoForaCovid”. A ideia é chamar atenção dos não indígenas, dos órgãos públicos e de autoridades para a situação. O líder Yanomami, Davi Kopenawa, divulgou um vídeo em que alerta para os riscos da destruição da floresta e o avanço da pandemia de coronavírus entre o povo.

Para Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara Associação Yanomami e porta-voz da campanha, o relatório é “um instrumento que joga luz no descaso do governo na Terra Yanomami durante a pandemia.”

Ele afirma que a investigação representa um passo importante para “não só os Yanomami e Ye’kwana, mas todos os povos indígenas que protegem a nossa Terra Mãe e mantêm a floresta em pé” demonstrarem às autoridades a força e unidade da luta indígena no Brasil. “Temos parceiros que apoiam nossa luta. Pedimos urgência da retirada dos invasores da nossa terra”, disse.

Em setembro, quando havia 700 registros da doença na terra Yanomami, o Ministério da Saúde, a região Yanomami informou que a região contava com 725 profissionais da saúde. À época, segundo a nota, 293 mil itens entre insumos, equipamentos de proteção individual e testes rápidos para Covid-19, tinham sido entregues na região.

Agora, o relatório deve ser enviados à autoridades que lidam com as questões indígenas. Fizeram parte da elaboração do documento o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana e Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, composto pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME), Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (TANER), Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), Associação Kurikama Yanomami (AKY) e Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima (HAPYR).

Fonte: G1

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