“Nunca vi uma alma tão feia quanto a minha letra”, escreveria Clarice Lispector (1920-1977) numa carta perturbadora ao futuro marido, o diplomata Maury Gurgel Valente (1921-1994), em janeiro de 1941. “Existe também… sei lá o quê. Talvez qualquer coisa que valha a pena. Pelo menos para olhar do ônibus e sorrir. Ou senão, por que não se entregar ao mundo, mesmo sem compreendê-lo?
Individualmente é absurdo procurar a solução. Ela se encontra misturada aos séculos, a todos os homens, a toda a natureza. E até o teu maior ídolo em literatura ou em ciência nada mais fez do que acrescentar cegamente mais um dado ao problema.”
Valente responde à “marquesa de Maricá” se dizendo “pequenino” diante das palavras contundentes da colega de faculdade de direito, então com 20 anos recém-completados, com quem viria a se casar em 1943. “Oh, deusa Clarice! Sê clemente! Não pronuncies contra mim, com ar tão solene, a sentença da minha condenação eterna. Deixa-me viver pacatamente como bom sujeito. (…) No momento eu só tenho um grande problema – é saudade de você! O resto é bobagem.”
As missivas, nunca publicadas, integram o acervo pessoal de Clarice sob a guarda do Instituto Moreira Salles. E, agora, fazem parte do Correio IMS (www. correioims.com.br), site que torna disponível, a partir desta terça, 11, cem cartas de 85 personalidades como Pero Vaz de Caminha, Machado de Assis, Oswaldo Cruz, Monteiro Lobato, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, Lúcio Costa, os imperadores Pedro I e Pedro II e suas amantes, a Marquesa de Santos e a Condessa de Barral.