Quem acompanha futebol talvez não tenha percebido. Mas ocorre hoje dentro de campo um festival de cotoveladas digno de lutador de vale tudo. Em quase todas as partidas, principalmente as exibidas pela televisão, o torcedor presencia, de vez em quando, com apreensão e constrangimento, um atleta sendo atendido à beira do gramado, sangrando, vítima de traiçoeira cotovelada. De repente, lá está um jogador com uma bandagem lhe tomando boa parte do rosto, ou da cabeça, mostrando à torcida, com tal adereço, o absurdo da agressão. Interessante se notar que essas ocorrências têm vida recente. Não se tinha notícia de tantos casos assim antigamente. Até parece que os jogadores estão sendo treinados e orientados para a prática desse tipo de agressão. A cotovelada se dá, normalmente, na disputa de bola pelo alto. Um dos jogadores se aproveita do elemento surpresa e acerta o adversário.
Sempre na testa, no nariz, no alta da cabeça… E aí cabe a pergunta: essa agressão – covarde, gratuita, matreira, antiesportiva, antiética, desleal, inoportuna – traz algum benefício à equipe do agressor? Por acaso, a cotovelada garantirá a vitória ao time cujo atleta pratica essas coisas? Ganhará o esporte em termos de beleza plástica, de emoção, de resultados práticos com esse tipo de atitude? Observe-se que, apesar dos aspectos negativos desse costume, os jogadores continuam se aproveitando de certos momentos da partida para acertar o adversário com a mais “proveitosa” das cotoveladas. Entretanto, passando do plano esportivo para o cenário geral da vida, também cabe a pergunta: e as cotoveladas acontecem somente no campo esportivo ou invadem outras áreas do convívio humano? Hum… E agora? As tais cotoveladas fazem sangrar somente o adversário esportivo ou derramam sangue em outras paragens?
Na verdade, o que faz um agente público que desvia o leite e a merenda das escolas, como forma de engordar seu patrimônio, senão desfechar uma violenta cotovelada nas pobres e indefesas crianças? E os altos executivos que compram equipamentos e contratam obras superfaturadas? Da mesma maneira, não estão acertando dolorosas cotoveladas no cidadão que paga seus impostos esperando ter de volta as soluções para suas demandas diárias? E os políticos que prometem mundos e fundos, além de se colocarem como guardiães da ética, da moral, dos boas práticas administrativas em períodos eleitorais – e que, ao serem eleitos, se lambuzam com todo tipo de falcatrua, de roubalheira, de atos de corrupção? Não são tais atos verdadeiras cotoveladas no pau da venta do pobre e indefeso eleitor? E o pai que mente à esposa, aos filhos, para levar vantagem também não está procedendo da mesma maneira?
E o funcionário público que aceita suborno no exercício da profissão? Também não está dando cotoveladas na ética, no código de conduta que lhe veda tal procedimento? E quem suborna o guarda de trânsito em troca de se ver livre de uma multa também não está, de certo modo, distribuindo suas cotoveladas? Na verdade, o que se observa em campo é a extensão de práticas que acontecem o tempo inteiro nas mais diversas situações e circunstâncias vida afora. Não é o jogador, não é o funcionário, não é o político, não é o gestor estatal simplesmente que distribui cotoveladas a torto e à direita. É o ser humano. Sim, ele mesmo. Com sua agressividade, sua animalidade inata. Enfim, as cotoveladas nos campos de futebol – e que têm chocado muita gente dita educada, civilizada – é o retrato por inteiro do ser humano. Simples assim. Por sinal, quando você vai desferir sua próxima cotovelada?
Públio José – jornalista ([email protected])