COXINHA –
Fato surpreendente: não gosto de frango. Talvez, olhando bem, seja por, quando criança, ter visto minha avó correndo atrás das galinhas no sítio e, com determinação, tirar as vidas das figuras penosas com um facão e as preparando para ir à panela.
Apesar disto, gosto de coxinha. De frango! Não é meu salgado favorito. Sou apaixonada por pastel. Pastel doce ou salgado ou apenas a massa do pastel. Tem uma massinha de pastel que vende como biscoito e é uma perdição para mim.
Hoje também não consigo comer ovo (sim!, sou uma dificuldade para a nutricionista), mas, quando pequena, vovó Malbita me levava para a Casa da Maçã (que já não existe mais) para comer pastel chinês, com um grande ovo cozido no recheio. Eu achava tão incrível um ovo todo dentro de um pastel! Fazia-me acreditar que o pastel poderia ter todo e qualquer tipo de coisa dentro dele, como uma cômoda cheia de gavetas misteriosas…
Voltado às coxinhas… Sou casada com um apaixonado por coxinhas. Por isso, saímos pela cidade experimentando em docerias e lanchonetes as coxinhas que nos recomendam.
Na nossa cidade criou-se o hábito nas docerias de oferecer um “combo semanal”. Geralmente um salgado, um doce e um tipo de café. E nós caçamos estes combos sempre procurando alguma novidade que nos cative.
Assim, um dia desses, sentamos em uma dessas docerias onde temos mesa cativa e pedimos nossos combos: coxinha de frango, tortinha Romeu e Julieta e café para ele, água para mim. Ao chegar nosso pedido, conversamos um pouco com o garçom e depois nos silenciamos, cada um de nós imerso em seu mundo, refletindo sobre os prazeres da vida ou sobre a lista de supermercado, que estava enorme. Começo a olhar para após Flávio. Ele faz o inverso, olhando para a mesa atrás de mim.
Em poucos instantes nós dois começamos a dividir nossos pensamentos.
Ele me diz:
– Primeira vez que vejo uma pessoa começar a comer pelo doce, deixando a coxinha por último.
Eu respondo:
– Sempre começo a comer a coxinha pela ponta e deixo a parte do bumbum (a parte gordinha) por último!
Ele me olha reflexivo, desviando o olhar para a coxinha meio comida – meio intacta em sua mão e percebe que faz o mesmo que eu. Eu, num ato impensado, viro-me para a mesa atrás de mim e vejo o rapaz sozinho, finalizando a torta e pegando, só então, a coxinha, com a outra mão deslizando pela tela do celular.
– Acho que sempre deixamos a parte mais saborosa ou a que mais gostamos para o final…
– Pode ser isso…
Continuamos nossa conversa pensando em quais os motivos para deixar o melhor para o final, quando podemos estar completamente enganados sobre o que é melhor. Ou, ainda mais cruel, enganados sobre o que é o fim… Mas, isso é assunto para outro combo…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora