COZINHA EXPERIMENTAL –
Uma taça de vinho tinto seco sobre o balcão da pia, alguns ingredientes típicos e triviais usados no nosso dia-dia que me levariam a imersão de uma nova receita vegetariana: panquecas de carne de soja com molho de tomate.
Uma aventura para a última terça-feira de março de mais um ano atípico, devido a pandemia da COVID-19. O propósito seria criar a receita a partir das minhas experiencias culinárias adquiridas ao longo dos meus cinquenta anos (desafio: não recorrer ao Google, nem ao caderno de receitas).
Caberia a mim testar novos/velhos pratos vegetarianos com uma pegada bem pessoal, montar um cardápio para receber meus convidados em um happy hour planejado para acontecer na primeira sexta-feira de abril, o dia da mentira, no entanto, um dia de encontros verdadeiros, sem pregação de peças, muito menos piadas indevidas, bizarras e grotescas como vimos no Oscar 2022 quando o “comediante” Chris Rock proferiu uma piada ridícula com a atriz Jada Pinkett-Smith, que resultou num merecido tapa do ator Will Smith (esposo de Jada) no demente metido a comediante. Dito isto, ressalto não estar afirmando ser a favor da violência, mas, penso, ele teve lá seus motivos.
Piada para ser engraçada precisa ser inteligente, sem preconceitos, deboches ou zombaria sobre o outro, pois, quando se atinge a dor do próximo, deixa de ser piada e passa a ser grosseria, desrespeito e humilhação. Piada em que só um dos lados ri não é piada.
Tipos de maus-tratos relacionados a quaisquer esferas do outro, seja sobre condições físicas ou psicológicas, sexuais ou religiosas, cor da pele ou de qualquer outro tipo, utilizando-se de espaços ou subterfúgios, como o dia da mentira, rodas de conversas ou mesmo a festa do Oscar para destratar e diminuir o outro, se travestindo de engraçado com o propósito de arrancar risos, é de extrema ignorância e mau gosto. Inadmissível.
E a receita, hein, minha filha? Bora cuidar nela que já tá “meidiinha”.
O tempo corria solto enquanto a música rodava no “toca-fitas do meu carro” e uma canção me fazia lembrar sobre os últimos acontecimentos, sobre o quanto a humanidade ainda tem a evoluir. As pessoas surtam a todo instante, nadando nos seus mares de inveja, ganância, movidos pela sede de poder, pelo sucesso e ascensão, numa disputa cruel pelo reconhecimento insalubre, disparando seus egocentrismos através das guerras, piadas de mau gosto, puxões de tapetes, fake news cuspidas aos quatro cantos.
Lá no início da pandemia questionávamos se o que estava acontecendo com o planeta teria o propósito de melhorar e ensinar o homem a ser melhor e mais humano. Será? Ainda não encerramos o ciclo pandêmico, não superamos as perdas de pessoas queridas e já fomos bombardeados com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Mais mortes, mais escassezes, mais dores, dúvidas e incertezas.
As panquecas ficaram fininhas. O recheio feito com a carne de soja ficou bem cremoso e gostoso. Quanto ao molho de tomate, estava no fogo borbulhando ao ritmo da canção de Anitta, “Envolver”, que chegou ao 1º lugar do ranking mundial no Spotify. O que me fez lembrar que tenho que transferir meu título de eleitor para o município em que estou residindo.
Pois bem, já que não me cabe cessar a guerra nem a pandemia, vamos fazer o que está ao nosso alcance: mudar os rumos do nosso país, já é um bom começo, afinal. Nem tudo precisa terminar em pizza, pode também ter panquecas de carne de soja com molho de tomate.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]