Um áudio do ministro da Educação, Milton Ribeiro, detonou uma crise no ministério nesta terça-feira (23), que dá sinais de se estender pelos próximos dias. Na gravação, divulgada inicialmente pelo jornal “Folha de S. Paulo”, o ministro admite que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, repassa verbas do ministério para municípios indicados por pastores.
Depois que o áudio foi revelado, o ministro negou que Bolsonaro tenha feito o pedido e negou também que os pastores influenciam nas decisões do MEC.
Apesar das negativas de Ribeiro, a situação política dele no comando da pasta se tornou instável. Os desdobramentos da denúncia vão ser decisivos para o futuro do ministro.
No áudio gravado durante uma reunião de Milton com prefeitos, o ministro diz:
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar.”
Na reunião, estavam presentes, além dos prefeitos, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
Mais à frente, o ministro acrescenta:
“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar.”
Em determinado ponto da reunião, o ministro diz ainda que há uma contrapartida para esses repasses, mas não dá detalhes sobre isso.
“Então, o apoio que a gente pede não é segredo. Isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”, disse.
O pastor Gilmar Santos tem 61 anos, é nascido em São Luís (MA) e comanda o Ministério Cristo Para Todos, uma das várias ramificações dentro da Assembleia de Deus, em Goiânia.
Segundo perfil escrito pelo próprio pastor em páginas nas quais oferece cursos de teologia, ele é formado em teologia e doutor em divindade.
O pastor já pregou na Ásia, na Europa, na África e na América do Norte, dirige o Instituto Teológico Cristo para Todos (ITCT) e preside a Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (Conimadb).
O pastor Arilton Moura não é ativo nas redes sociais. Em um de seus perfis aparece como residente no Pará. Segundo a Conimadb, ele preside o Conselho Político da entidade.
Em 30 de maio de 2018, foi nomeado para o cargo de secretário estadual extraordinário de Integração de Ações Comunitárias pelo então governador do Pará Simão Jatene (PSDB). Foi exonerado do cargo no dia 1º de novembro do mesmo ano.
O pastor também aparece em registros do Tribunal Regional do Pará (TRE-PA) como presidente estadual do antigo PHS, incorporado pelo atual Podemos.
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são personagens com trânsito em gabinetes de altas autoridades em Brasília.
Em 2019, primeiro ano do mandato, estiveram com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Primeiro, em abril, Gilmar Santos foi fotografado ao lado do presidente em uma solenidade.
Em outubro daquele ano, também no palácio, os dois participaram de um evento em que o presidente estava presente e, de acordo com registros oficiais do governo, entregaram a Bolsonaro um livro produzido pela Conimadb.
Em uma rede social, Conimadb mostra outro encontro dos dois pastores com Bolsonaro, dessa vez em fevereiro do ano passado.
Em dezembro último, eles estiveram com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
E também em 2021 os dois se reuniram 18 vezes com Milton Ribeiro, de acordo com registros oficiais.
A agenda do ministro afirma que esses encontros eram de “cortesia” ou para tratar de “obras” ou de “alinhamento político”.
Após a repercussão do áudio, o ministro da Educação buscou se justificar. Ele disse, em nota, que Bolsonaro não fez pedido de favorecimento para os pastores.
“Não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado”, afirmou.
“Registro ainda que o presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém”, completou o ministro.
Entidades da área de Educação disseram que Milton Ribeiro perdeu as condições de comandar o MEC.
Segundo a União Nacional dos Estudante (UNE), a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) e a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), o ministro estabeleceu no MEC um gabinete paralelo que funciona “às margens da legalidade”.
“No momento em que vivemos a maior crise da educação brasileira, quando milhares de jovens evadem das escolas e universidades e pós-graduandos padecem com 9 anos de bolsas congeladas, realidade que exigiria do Ministro um grande esforço para reverter esse cenário, vimos o ministério ser transformado num grande balcão de negócios a céu aberto para alimentar esquemas eleitorais do presidente”, escreveram as entidades.
Entre os partidos políticos, também houve reação. Parlamentares de oposição apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) notícias-crime contra o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, por suposto favorecimento a pastores na distribuição de verbas públicas.
Além disso, foram apresentados pelo menos cinco pedidos na Câmara para Milton Ribeiro dar explicações no plenário. Os pedidos ainda precisam ser aprovados.
Fonte: G1
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