De contas feitas para a lavoura de cana-de-açúcar no Rio Grande do Norte ao rol dos 20 melhores professores de matemática do país. O potiguar Kácio José Cardoso se tornou finalista da Olimpíada de Professores de Matemática de Ensino Médio (OPMbr) e vai disputar, no próximo dia 27, as medalhas de ouro e prata da competição, cujo prêmio é uma viagem a Xangai, na China.
Ao todo, os 10 primeiros classificados na olimpíada serão levados para uma viagem de duas semanas à cidade chinesa que lidera rankings mundiais de ensino da matéria.
Kácio José Cardoso Santos, de 34 anos, aprendeu a gostar de matemática ao receber uma missão de seu pai quando tinha apenas nove anos de idade. Líder entre os cortadores de cana de Baía Formosa, no litoral Sul do estado, o pai do menino terminava o dia na lavoura, mas ainda levava os cálculos da produção dos trabalhadores para casa.
Todos os dias os dois se reuniam para fazer contas e garantir o pagamento adequado a dezenas de profissionais da lavoura.
“Ele fazia as contas de cabeça e eu tinha que confirmar tudo na calculadora. Com o tempo, fui passando a me interessar pelos cálculos e por aprender todas as regras da matemática”, conta o professor da rede estadual de educação do Rio Grande do Norte, atuando no Centro Estadual de Educação Profissional Professora Lourdinha Guerra.
“Sou o único dos quatro filhos que cursou o ensino superior. Meu pai frequentou a escola por poucos anos. Ainda no ensino fundamental, passei a ir à escola à noite para acompanhar minha mãe, que havia parado de estudar para criar a mim e aos meus três irmãos”, revela o professor.
Com a ajuda de um programa de educação para adultos, a mãe de Kácio não só concluiu os ensinos fundamental e médio depois dos 30 anos, como usou o aprendizado e o diploma para passar em um concurso para ser agente de saúde.
Apesar da semente do interesse pela matemática ter sido plantada na infância e nutrida no ensino fundamental, a necessidade de contribuir desde cedo com o sustento da família fez a escola ficar em segundo plano. Kácio fazia o Ensino Médio em Canguaretama, interior do estado, e sequer havia ouvido falar de vestibular. Ele revela que dedicava aos estudos, mas tinha pouco tempo livre para aprofundar o conhecimento nas disciplinas.
Dos 15 aos 17 anos, ele dividiu o Ensino Médio com a rotina de descascador de coco. Ganhava R$ 18 reais a cada mil cocos descascados. Por dia, recebia cerca de R$ 25 reais. Sabendo do talento de Kácio e da importância da educação, o professor de matemática Cláudio Palhano incentivou o aluno a se inscrever na prova para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Kácio fez a prova e passou no vestibular para matemática. Ingressou no curso em 2008 e se formou em 2011.
No mesmo ano em que concluiu o curso, o professor passou em um concurso para a rede estadual de educação e no mestrado da UFRN. Por causa do trabalho, ele não conseguiu concluir a pós-graduação, mas retornou à instituição e, agora, cursa o mestrado atualmente.
O professor conta que soube da olimpíada de professores por meio de uma divulgação feita pela direção da escola onde trabalha. No princípio, ele acreditava que a competição envolveria provas sobre conhecimentos matemáticos, mas descobriu que, na verdade, os profissionais seriam avaliados pela didática usada nas suas aulas. E nisso ele se destaca.
As etapas de avaliação incluíram uma prova, um vídeo relatando sua carreira profissional e uma entrevista.
Na atuação como professor, Kácio criou jogos de xadrez e até levou alunos a competições estaduais, também desenvolveu o jogo “Defina matematicamente” para ensinar a teoria por trás de elementos matemáticos e criou a disciplina “Matemática e arte”.
Na disciplina, ele ensina os alunos sobre como as obras de arte carregam estilos geométricos diferentes. Da mesma forma que uma dança também pode conter elementos diversos. Ao final da disciplina, os alunos protagonizam uma obra de arte usando os conceitos aprendidos.
“É muito comum que os alunos tenham medo de aprender matemática. Já chegam à sala com muita resistência, avisam que não levam jeito para fazer cálculos. Assim como não percebem que a matemática vai ajudá-los a ter sucesso na vida, na profissão, mesmo se não desejarem estudar um curso de exatas. A matemática amplia nossa forma de ver o mundo. Minha busca é sempre tornar o aprendizado mais próximo ao dia a dia, mais interdisciplinar e, assim, eles se conectam com o assunto, e o aprendizado acontece naturalmente”, destaca o professor.
Segundo a organização das olimpíadas, um dos objetivos do evento é reconhecer iniciativas de professores que têm feito os alunos perderem o medo da disciplina e alcançarem sucesso na matemática. Segundo a organização, o Brasil ocupa a 65ª posição no ranking de 81 países que participaram do último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), divulgado no final do ano passado, levando em conta os resultados da área de Matemática.
Por outro lado, o Brasil alcançou o nível 5 na avaliação da International Mathematical Union (IMU), que reconhece pesquisadores e professores mundialmente. A viagem a Xangai é uma oportunidade, segundo a organização, se melhorar o trabalho dos profissionais brasileiros. Xangai é destaque, há anos, pelo seu desempenho no Pisa.
“Será uma oportunidade ímpar de imersão, aprendizado e troca de conhecimento, impulsionando a melhorar a qualidade do ensino da disciplina para alavancar a posição do Brasil no ranking mundial, a médio e longo prazo”, disse Adauto Caldara, membro do Conselho Gestor da Olimpíada.
Fonte: G1RN
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