DA MINHA NATUREZA AÉREA –

Ah, esses homens intrépidos vestidos em seus uniformes de gala , adornados com quepes, óculos ray-ban escuros, bigodes démodé a la Erroll Flynn, que a natureza e a vaidade humana permitem, e suas máquinas voadoras. Os ecos dos ruídos mansos dos teco-tecos ( os “desinteira-famílias” , como chamava seu Esaú , que não entrava em nenhum deles nem a pau) a desbravar os céus nordestinos, já quase nem existem mais na minha cabeça.

Papai me levava sempre em suas breves aventuras, cujo norte era visitar parentes no Ceará, lá pras bandas do Cariri e do Canindé, naquelas aeronaves movidas a duas hélices . O aeroporto de Caxias das Aldeias Altas de onde partíamos (se é que assim poderíamos chamá-lo) pareceria ser um tanto como essas salas da Polícia Federal que abrigam hoje políticos corruptos e famosos, lá pros lados de Curitiba. Tamanho e comodidade inferidos a julgar pelo o que eu hoje leio nos jornais.

A diferença é que aquela sala grande ficava ao relento, com léu suficiente pra se fazer indagações, povoada por imensas janelas pra facilitar a inutilidade da circulação daquele ar morno. Pois da parte do Brasil donde eu vim, ainda hoje, em pleno meio dia, daria pra se fazer ovos a la coque, se colocados nos chãos das pistas de “tarmac”, que fervem a essa hora da tarde no centro da cidade; e os urubus ainda nos afazeres dos seus voos de uma asa só. Dizem os gozadores, eles usam a asa do outro lado pra se abanarem.

O campo de pouso e decolagem era do tamanho de um campo de futebol: um piçarral imenso sem demarcação alguma; uma sacola cônica no meio do tempo a se encher de ar ao sabor da direção dos ventos de superfície e instalada perpendicularmente à extremidade de um mastro, a tal da biruta; e uma pessoa, aparentemente biruta, também, a arquear os braços pra cima e pra baixo, em frente da aeronave. E eu olhando aquelas coisas, sem entender o porquê.

O voo para Fortaleza era prolongado. E, tamanha penúria, acontecia sempre uma escala técnica em Crateús, onde nos protegíamos do bafo de chaleira fervente, sob as sombras providenciais das asas daqueles Avros bimotores. Tanto é que não dou muita bola para a desconfortável e claustrofóbica clausura do que chamam hoje de classe econômica. Só quando passo a vista no menu pago e descubro, pasmo, que o “main course” é um singelo macarrão instantâneo, um nissin miojo desses da vida, vendido cinco vezes mais caro que nos supermercados. Falta de respeito e bom gosto, no mínimo.

Pois é, sem muito esforço, meu passivo destino de avoante, de ave de arribação consumista, começou cedo na vida, quando eu tinha mais ou menos uns quatro ou cinco anos de idade. Eu adorava. Tudo é novidade quando se é criança. Ao longo de tantos anos, só lembranças de incidentes acontecidos, nostálgicos um tanto, pelo menos quando lembrados à luz um tanto borrada, meio escura, dessa manhã de domingo totalmente encoberta e sem sol.

Pousos forçados bem sucedidos, onde em um deles, um passageiro (espírito de porco, barbicha, e um livro a tiracolo) como a corroborar o silêncio sepulcral total, dizia: “As grandes tragédias são precedidas de um grande silêncio”. E ninguém disse um pio, imagine. Turbulências rotineiras (umas mais, outras menos); um “cavalo de pau”, sem desconforto algum, numa aterrissagem abarrotada em neve. Uma ruma de coco verde fazendo um passeio errático, rápido e cômico pelo corredor da aeronave, ao se desprenderem de um saco mantido na dianteira do avião, não se sabe como.

Acrescentar, ainda, que a certeza de se ver nos aeroportos pessoas que nunca mais se irá ver na vida, não deixa de ter um certo charme. De resto , só dizer que o medo de entrar aviões na minha vida nasceu muito depois.

 

 

José Delfino – Medico, poeta e músico
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