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Dados oficiais do Inpe sobre qualidade do ar são ‘ignorados’ em ações contra efeitos da crise das queimadas

Rio Branco (AC) amanhece encoberto por fumaça na última sexta-feira (20). — Foto: Pedro Devani/Secom-AC

A crise das queimadas colocou em debate a medição da qualidade do ar no Brasil. Dados do Ministério da Saúde indicam que, entre 2019 e 2021, mais de 300 mil pessoas morreram por doenças respiratórias causadas por fumaça e poluição.

E apesar do país usar satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para monitorar a qualidade do ar há mais de 20 anos, pesquisadores afirmam que o governo federal não solicitou essas análises durante a crise.

A poluição e fuligem no ar são como um “inimigo invisível”, que causa problemas respiratórios graves, principalmente entre crianças e idosos. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um padrão para definir quando as pessoas devem evitar exposição. É com base nisso que os governos tomam decisões, como suspender atividades ao ar livre, até as aulas.

Ainda segundo a especialista, o Brasil deveria seguir o exemplo dos Estados Unidos, onde dados de satélites são cruzados com estações terrestres para validação. Enquanto isso não acontece, a melhor opção continua sendo a rede nacional por satélite.

“O governo está sugerindo que os estados coloquem estações. Só que esse monitoramento exige muita ciência para ter informações confiáveis. A política nacional não tem uma determinação, por exemplo, de onde são as áreas estratégicas que devem ter as estações”, explica.

 

Ela diz que já fez projetos para estados brasileiros implantarem o sistema e somar isso com os dados do Inpe, mas nenhuma proposta avançou. “Até agora, monitorar a qualidade do ar não parecia ser uma prioridade”, explica.

g1 perguntou ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Ciência e Tecnologia o porquê os dados do Inpe não foram pedidos e não vêm sendo usados, mas até a última atualização desta reportagem a pasta não esclareceu os motivos.

Dados divergentes de plataforma

No começo de setembro, o Inpe publicou uma nota de esclarecimento sobre o uso de dados da IQAir, uma plataforma suíça que vende monitores de qualidade do ar. O motivo foi a repercussão de números alarmantes sobre a poluição atmosférica, que colocaram São Paulo entre as cidades “mais poluídas do mundo” de um ranking de apenas 120 grandes metrópoles.

A IQAir vende os aparelhos por U$ 300. Para comprar um desses você não precisa de qualquer qualificação técnica ou ser um pesquisador. Depois de comprado, é só instalar o dispositivo onde quiser e ele passa a monitorar a temperatura, material particulado inalável fino (MP2,5), CO² e umidade relativa do ar.

➡️ Segundo pesquisadores, é aí que está o problema: por exemplo, se uma pessoa compra o equipamento e instala em uma avenida movimentada, onde há muita poluição, é somente com base nesse dado isolado que a análise do ranking da empresa é feita.

O próprio Inpe esclareceu que, com seus dados de referência, não participa da rede da IQAir e não valida os índices e rankings divulgados pela empresa.

Além disso, especialistas e entidades ouvidos pelo g1 alertam que as informações coletadas pela plataforma podem não refletir a realidade local de maneira precisa. Isso porque como são manuseados por qualquer pessoa, não têm um parâmetro para todas as estações pelo país.

“A rede de medidas no Brasil é limitada e com uma cobertura deficiente, o que resulta em estimativas e não em dados precisos para todas as cidades do país”, diz Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP.

Por exemplo:

  • ➡️ No estado de São Paulo, a IQAir soma seus dados com os da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), um órgão que conta com especialistas e monitora 36 cidades no estado.
  • ➡️ Já no Rio de Janeiro, não tem um órgão estadual com estações. Para isso, a empresa recorre a estimativas baseadas em dados de satélite para preencher essas lacunas. No entanto, não informa a resolução e a fonte dos dados. Ou seja, não existe um padrão.

 

“Os dados da CETESB são rastreáveis e confiáveis, enquanto as informações que vêm sendo utilizadas para classificar São Paulo em um ranking de cidades mais poluídas são provenientes de uma empresa que comercializa sensores e purificadores de ar, que usa recortes horários de diversas fontes, não certificadas, e processa esses dados com inteligência artificial”, informou a companhia, em nota.

Dados não servem para verificar padrões de qualidade

Para o monitoramento da qualidade do ar, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) recomenda, em seu Guia Técnico para o Monitoramento e Avaliação da Qualidade do Ar, que sejam utilizadas estações de referência certificadas, que fazem parte do sistema MonitorAr.

A iniciativa reúne estações de referência certificadas que medem a concentração de poluentes atmosféricos, mas isso só existe para poucas algumas cidades. Apenas 13 dos 26 estados do país contam com essas estações automáticas e a maioria está na Região Sudeste.

Por causa disso, quem vive no Amazonas, por exemplo, tem como referência dados de qualidade do ar do Pará. Ou seja, a realidade e a informação são diferentes.

“Dados de plataformas como a IQAir são provenientes de sensores de baixo custo e satélites. Não servem para verificar o atendimento aos padrões de qualidade do ar, mas são úteis para verificar a tendência de poluição.”, Ministério do Meio Ambiente, em resposta ao g1.

Não bastasse essas divergências, Menezes destaca que, para determinar se uma cidade é a mais poluída do mundo, seria necessário analisar a média dos índices ao longo de um período de tempo maior.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, avalia a qualidade do ar usando um banco de dados que compila medições anuais da concentração de poluentes, como dióxido de nitrogênio (NO2) e partículas de poeira (PM10 e PM2.5).

Esses dados representam a média das concentrações para uma cidade ou região, e não para estações individuais.

A média das concentrações é calculada para representar a exposição típica em uma cidade. A base de dados da OMS é atualizada a cada 2-3 anos e abrange mais de 7 mil localidades em mais de 120 países.

No entanto, a cobertura não é completa e varia devido a métodos de medição diferentes e disponibilidade das informações.

“Eles [a IQAir] utilizam modelos meteorológicos e dados registrados para fazer estimativas, mas para determinar qual cidade é a mais poluída, é necessário analisar a média dos índices ao longo do tempo, já que os valores variam conforme as condições atmosféricas locais”, afirma a Climatempo, também em nota.

A empresa, que oferece serviços de meteorologia há mais de 30 anos, também publicou recentemente em suas redes sociais um esclarecimento sobre o assunto, depois da divulgação do ranking da IQAir viralizar.

Na publicação, a Climatempo alertava para o fato de que as comparações entre diferentes cidades devem ser feitas com cautela, devido justamente às variações nos métodos de monitoramento e nas condições ambientais.

Além disso, a empresa enfatiza que os rankings de qualidade do ar podem ser enganosos se baseados em dados não homogêneos, o que pode distorcer a percepção da realidade sobre a poluição em cada local.

Ao g1, um porta-voz da IQAir explicou que a empresa usa dados de satélite para estimar a qualidade do ar em locais sem monitores terrestres, mas se recusou a comentar sobre o método específico aplicado em cidades sem seus equipamentos ou estações automáticas.

“A IQAir incorpora vários protocolos de garantia de qualidade, tanto como fabricante de sensores quanto como agregadora de dados, para garantir que estamos fornecendo os dados mais precisos possíveis”, disse.

Ainda segundo o porta-voz, os dados que abastecem a plataforma passam por um controle automatizado que envolve verificações estatísticas e ajustes.

“Os dados que não atendem aos nossos padrões de controle de qualidade estabelecidos são colocados em quarentena para uma revisão secundária e não são disponibilizados publicamente na plataforma até serem verificados. Os dados de sensores de baixo custo passam por um rigoroso processo de revisão antes de serem incluídos na plataforma da IQAir”, acrescentou.

Veja as notas na íntegra

  • CETESB

 

A CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo realiza medições da qualidade do ar há 40 anos, por meio de equipamentos certificados e de referência mundial. Nossa rede automática tem 63 estações fixas e uma estação móvel, que monitoram a qualidade do ar em 36 municípios. A rede manual é composta por 22 estações, que monitoram 15 municípios. Usamos padrões federais de classificação da qualidade do ar, instituídos pelas resoluções Conama 491/2018 e 506/2024, que embasam o decreto 59.113/2013.

Os dados da CETESB são rastreáveis e confiáveis, enquanto as informações que vem sendo utilizadas para classificar São Paulo em um ranking de cidades mais poluídas são provenientes de uma empresa que comercializa sensores e purificadores de ar, que usa recortes horários de diversas fontes, não certificadas, e processa esses dados com inteligência artificial.

Nosso Mapa de Qualidade do Ar oferece informação em tempo real, gratuita e disponível a todos, apresenta as medições em índices de qualidade, de acordo com metodologia prevista no decreto (Boa, Moderada, Ruim, Muito Ruim e Péssima).Esses índices são calculados com base nas concentrações, mas não podem ser comparados com a tabela de concentrações da OMS, por se tratar de dados diferentes. Os índices são uma forma de tornar mais compreensível para a população o tema da qualidade, facilitando o entendimento e ampliando a transparência.

Fonte: G1
Ponto de Vista

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