DE BRAÇOS COM A SAUDADE: JOAQUIM, ENTRE O HOMEM E O POLÍTICO I –
Embalado pelos versos do frevo de Bandeira, Joaquim Francisco “voltou” ao posto de prefeito do Recife. Naquele ano de 1989, a “saudade lhe trouxe pelo braço”, para consolidar uma trajetória política marcante, a partir dali com vitórias democráticas consagradoras. Hoje, com o perdão de Bandeira e até dos carnavalescos que se deixam “ferver” pelos vibratos do seu frevo, confesso que uma saudade bem maior roubou de mim e de tantos conterrâneos a forte presença dele entre nós.
Não é fácil se aceitar a morte de um ente querido, quando o mesmo se encontra capacitado para contribuir de modo produtivo entre seus pares. Agora inspirado nos versos de outro Bandeira (nosso poeta Manuel), no seu “Rondó dos Cavalinhos”, ouso ensaiar aqui ao meu estilo que “cavalinhos correndo, cavalões comendo…e o Brasil politicando, com Joaquim morrendo e muita gente ficando”. Mais um vazio intelectual se descortina no meio de um contexto político sofrível. É triste constatar.
Sinto-me seguro nessa mera opinião, porque estive muito próximo de Joaquim nesses últimos 3 anos. Pude sentir de perto esse momento fértil que ele atravessava, porque aliada à sua experiência de vida, mantinha dentro dele acesa a chama do querer ainda estudar múltiplos temas. A própria reclusão da pandemia lhe impôs uma vontade soberana do querer se manter atualizado.
Aconteceu que essa proximidade recente me fez sentir o esplendor desse momento tão dele. Nem mesmo quando honrosamente compus seu time de campanha e governo, quando ganhou o executivo estadual em 1991, pude sentir algo igual. Daquele tempo, com 29 anos de idade, só me resta mesmo a lembrança não menos saudosa da responsabilidade de conduzir um dos projetos prioritários de Pernambuco. Afinal, até hoje, fui o mais jovem presidente do Complexo Industrial e Portuário de Suape. E essa oportunidade de me iniciar na gestão pública, devo-lhe integralmente.
Bem, o que quero mesmo nesta primeira parte do texto é tratar de algo pouco explorado – do ser humano Joaquim Francisco. Do político, muito já se sabe, embora me sinta também compelido a falar desse seu lado mais comum. No entanto, farei isso numa parte seguinte deste mesmo texto. É que essa breve proximidade dos últimos anos, permite-me agora trazer ao público uma outra dimensão de Joaquim, que para mim explica bastante sobre sua larga expressão política.
Essa proximidade maior que aqui me reporto se inicia quando, à frente da presidência da Fundação Joaquim Nabuco, trouxe Joaquim de volta ao pensamento do seu amigo Gilberto Freyre, na recomposição do corpo técnico dos seminários de tropicologia da referida instituição. Lembro que ele era o primeiro que chegava e o último que saia das nossas reuniões, o que proporcionou para mim um enorme aprendizado. Do conhecimento técnico dos temas tratados até os “causos” que derivavam deles, tudo ali alimentava uma sintonia que carecia ser restaurada, pelos bons tempos vividos naquele clima de 1990/91. No entanto, essa atualização me trouxe um conhecimento ainda maior de outros valores, que estavam por trás daquele jeito mais sisudo de ser. Estava ali uma figura humana “freyreanamente” chamada de “ru-urbana” (de sentimento duplo, rural e urbano), simples, piadista, intelectualmente preparada e apaixonada pelas suas relações familiares e de amizade.
Nesse clima mais intimista e diante do crescimento dos debates em torno das grandes questões nacionais avançamos muito nas sintonias. Com certeza, estivemos juntos na sua última viagem, fora da motivação gerada pelos problemas de saúde. Compartilhamos debates visitas e até a gravação de uma entrevista conjunta (para um programa do amigo jornalista Piotto), quando estivemos em São Paulo e, logo em seguida, São José dos Campos. Nesta última, acompanhados por seu neto Cadu e minha esposa Sandra, fomos ao ITA e ao Instituto Alpha Lumen, ambientes respectivos de referência acadêmica e escolar. A presença de Joaquim nesses dois espaços, decorrente do convite do meu amigo Ricardo Roquetti, comprovou todo seu vigor intelectual, pela excelente reação à sua palestra ministrada para o corpo de alunos do ITA e à visita interessada que fez à escola, para melhor entender a acolhida que a mesma dá aos jovens talentos.
Assim, como Sandra bem disse quando do nosso retorno da viagem, Joaquim “estava com um brilho diferente nos olhos”. De fato, uma percepção bem verdadeira, para quem se contentava em dialogar com aqueles que têm a acrescer, conhecer novos desafios e ampliar o conhecimento. Nada mais exemplar para quem estava mesmo em plena produtividade intelectual.
Cumprida essa etapa do texto, Sandra me pede que, em se tratando de Joaquim, “não faça poupança de gratidão”. Consciente dessa sugestão, claro que me falta tratar da figura política de Joaquim, missão reservada para a próxima etapa. Sirvo-me, então do que dizia Marco Maciel: “gratidão é dívida que não prescreve”.
Alfredo Bertini – Economista e ex-secretário nacional do audiovisual e de infraestrutura do Ministério da Cultura
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