DE COISAS SIMPLES E COMPLEXAS –
De manhã alguns oram ao acordar; outros, não. Detonam um copo d´água morna com limão para alcalinizar o organismo; engolem, quase de forma inconsciente, alguns comprimidos para que os parâmetros vitais continuem sob controle (as evidências das respostas a eles nos forçam a acreditar nisto). Devoramos tomates fatiados, ricos em agrotóxicos com vinagre e sal (há pouco tempo não recomendáveis). Notem que o sal, desde que não usado em demasia, e salvo contraindicações absolutas, faz bem; afinal o nosso corpo é uma unidade salina; bebemos xícaras de café ou chás bem fortes , para a cafeína nos acordar melhor (para alguns sempre ajuda); ovos estrelados com gemas moles , ou não, (agora, também, liberados à vontade); uma tapioca ( que alguns alarmistas desavisados agora cismam em afirmar que mata), ao invés de pão branco.
 
Cumprimos a babel de rotina habitual dos banheiros (a fisiologia e a higiene impõem) e nos entregamos à azáfama do dia-a-dia. No meio da rua, rumo ao trabalho ao passar por uma igreja, alguns evocam religiosamente o ato práxico do sinal da cruz. E assim, superficialmente ou não, alimentamos corpo e mente.
 
Claro, existem coisas imponderáveis e fora do nosso controle consciente. Tendemos, por exemplo, a nos movimentar em círculos da direita à esquerda; herança atávica dos deslocamentos dos primeiros habitantes do mundo para habitar os continentes, que se deu originariamente da direita à esquerda, levando-se em consideração o atual mapa mundi. A predominância do giro à esquerda é, também, evidente na análise hodierna de algumas variáveis cosmológicas, geofísicas, comportamentais; até em citações bíblicas relacionadas ao movimento: “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: vinde, benditos de meu Pai, possuam por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo (Matheus).
 
Na abordagem cósmica, constata-se a rotação à esquerda dos buracos negros, do plasma aquecido de hidrogênio das nebulosas, (fotografadas pelo Hubble ) da Via Láctea, da terra e da maioria dos planetas do sistema solar. Na análise geofísica, desde o vento dos ciclones e tornados, até ao escoamento da água nos ralos que gira à esquerda no hemisfério sul, à direita no hemisfério norte e na, linha do equador, sem giro algum (a tal da força coriólis ).
 
Do ponto de vista comportamental, é surpreendente a predominância de indivíduos destros em relação aos canhotos, provavelmente pela dominância do lado esquerdo do encéfalo e da presença de proteínas levógiras na estrutura dos neurônios e células reprodutoras. Na abordagem médica , não parece ser mera coincidência o aparecimento de dor reflexa vinda da direita até o braço esquerdo, em casos graves de infarto do miocárdio e angina pectoris; e, também a maior facilidade e evolução do parto vaginal quando a cabeça do feto gira para a esquerda no período expulsivo.
 
Até as drogas medicamentosas, as que em laboratório desviam a luz polarizada da direita à esquerda (drogas levogiras), são as mais seguras para uso. As drogas restantes (82% delas) possuem na sua estrutura duas moléculas que não se sobrepõem às suas imagens especulares, os dois isômeros agem isoladamente no organismo a partir de uma relação preferencial, análoga a alguém quando calça uma luva: inexiste nesta circunstância , a possibilidade da direita encaixar adequadamente na mão esquerda e vice-versa. Mais claramente: o uso de uma droga racêmica em função dos seus dois isômeros, implica a ocorrência do fenômeno de duas drogas com propriedade físicas idênticas e efeitos farmacológicos diferentes, interagirem simultânea e especificamente em um mesmo paciente, para o bem e para o mal. Não obstante , o ensino da farmacologia, como um todo, se prendeu até recentemente apenas à descrição da geometria estática da molécula, das suas propriedades físicas e consequentemente das suas ações específicas. Controlamos pouco a nossa vida.
 
Parando por aqui. Eis tudo quanto foi possível hoje. Mas é que desabou sobre os dedos um perigoso fascínio sobre o tema. A mania de digitar textos tentando agradar o leitor, deixa a alma com aquela mesma sensação que Baudelaire sentiu nas ruas de Paris, entre o ópio e o absinto: o frêmito da asa da loucura.
José Delfino – Médico, músico e poeta.
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