DE CORRESPONDÊNCIAS LARGADAS NUM BAÚ –
Eu, ainda sobrevivendo. Ele, falecido. Engenheiro, inteligente, grande amigo, gozador. Perseguíamos dois objetivos distintos: ele, um PhD em Ecologia. Eu, um outro, em Anestesiologia. Os nossos papos, inesquecíveis. As suas cartas, após nossos caminhos cruzados – como se fossem – crônicas .
Lancaster, 11 de Novembro de 1981
Meu caro xará
Sua carta de 21 de agosto foi uma agradável surpresa, apesar de escrita por um esculápio do seu gabarito, com letra que nem farmacêutico de interior consegue traduzir. Se eu fosse genro de um abastado industrial, como você é, integrante da famosa mafia de avental e Assistente III da UFRN com 70.000 mil mensais, morador da Lagoa Nova, com tantas iniciais depois do nome etc etc, também eu botaria banca. E olhe que nem falei do Sarney, porque não acredito nas vestais da “eterna vigilância”. Por isso ouso corrigir o seu genitor, dizendo que representante da Atenas Brasileira só mesmo o Dr. José Delfino, PhD!
Lá atrás, muito atrás a gente dá uns pontinhos para o Josué Montello, para ele não ficar muito magoado. Da minha parte, sua grande virtude é ser casado com minha encantadora comadre M, uma ilha de serenidade no oceano tempestuoso da máfia branca, órfã do Golbery. Qual é a dele? Acho que há toucinho debaixo desse angú.
Os ingleses já se cansaram de mim e acabaram me concedendo residência permanente. Mas, como lhe disse, o boato a nosso respeito não procede . Vamos retornar mesmo, logo no início de 1982, pois já é tempo de conhecer os entes brasileiros. Até a P está achando que chega! Enquanto isso, ficamos com inveja de você e da Princesa, que estarão gastando em dezembro os milhões recebidos da UFRN, a fim de enriquecer o patrimônio da burguesia fabricante de armamentos que elegeu o indefectível RR na terra do Tio Sam. Não confundir RR com Revolução Redentora, apesar da semelhança em termos de catástrofe ! Aproveite a chance e dê ao Ron e ao Haig alguns conselhos. Eles estão precisando muito!
Pobre mundo sem liderança . Do outro lado o comunismo ateu fabrica miséria na URSS. Rodei por lá mais de 1000 Km em agosto último. Não vi uma auto-estrada . Nem uma escassa privada nas paradas do ônibus internacional. Todo mundo pro mato! Inclusive respeitáveis senhoras. Um constrangimento total. As filas de Moscou metem medo. Não sei que tempo sobra às donas de casa. Um vexame; enquanto os comunas passeiam sua vaidade pelo espaço, detendo o recorde de permanência no dito. Estive também na Polônia. Outra tristeza. Em outubro fui à Romênia. Um pouquinho menos mal, mas ainda assim atrasada e pobre. Grau zero para o mundo “socialista”, onde os chefões também rodam em requintados carrões, ao melhor estilo do nosso estimado Bob Fields.
No Brasil não dá para a gente desconfiar onde o governo quer chegar . O reaparecimento de tipos como o Brizola e o finado JQ, ainda ajudam a tumultuar mais. Parece que ambos estão fazendo o jogo da situação e somente Deus sabe o que nos espera em 1982. Vamos rezar ! Se nós da America LATRINA não fôssemos os mais refinados idiotas, seria agora a nossa vez de tomar partido da desgraça que grassa pelo mundo, lucrando não com o infortúnio alheio mas com uma boa produção agrícola que pudesse nos bastar e ainda alimentar os que têm fome e também aos que já não querem trabalhar que é o caso dos europeus “industrializados”. Mas preferimos turismo oficial e programas fantasiosos, a fim de seguir o modelo dos países “desenvolvidos”, do tipo da falida Inglaterra.
Por falar nisso , creio que a turma de Lancaster bebe mais chá que seus patrícios de Cardiff. E como chove nessa área do Norte! Mas o “campus “, onde residimos desde março, é simplesmente maravilhoso, com verde a perder de vista, o mais bonito que conheço, incluindo os americanos. É ver para crer! Raramente vou à Cidade, da qual estamos – felizmente – afastados 5 Km . Minha tese está praticamente terminada e no momento continuo engajado no projeto (inglês) de “migração de isótopos radioativos na região de Windscale”. Já tenho material suficiente para outra tese (!), com mais de 600 amostras já coletadas e, em parte, analisadas. Vou terminar a calculeira aí no Brasil. Aqui já não há mais tempo. Um dia irei domar minha delicada cútis nas belas praias do NE brasileiro e vou dar uma de burguês, hospedando-me na requintada Lagoa Nova e saboreando um refrigerante Dore! O Natal vem aí, apesar de vocês já residirem no homônimo. Que Deus cubra vocês todos com muitas bençãos.
Seu amigo e admirador, proletário incurável.
P.