DE FIM DE ANO –
Clarice Lispector ficaria legal de epígrafe: “Luzes caminham sem direção, Virgínia espia o céu, as cores brilhando sob o ar. Virgínia caminha sem direção, a claridade é o ar, Virgínia respira claridade, folhas tremem sem saber, Virgínia não pensa, as luzes caminham sem direção. Virgínia espia o céu …”
Viva ! O Natal e o Ano Novo se aproximam. E os presentes, essas conhecidas acomodações de sonhos e orçamentos, estarão logo escondidos em embrulhos coloridos. Apressa-te ó sol, estamos de mudança. Avexa-te, meu amor. Estamos de passagem, ó ruas, ó gente, ó pedras teimosas, retardadas na ilusão de ficar: “Não permanecer, eis o sentido de tudo”. Por isso é que, num vai-e-vem anual, entram também em nossas vidas os aniversários e carnavais.
Mas nem só de datas e ocasiões se alimentam os nossos egos e vidas. Claro, tem muito mais coisa. Tem o pessoal que quer saber quanto você ganha; quem foi pra cama com o chefe; quem é aquela quem chegou com quem e por que chegaram; qual o nome da grife do piso da casa de praia do vizinho da direita; será que fulaninho é viado ? (mas ele não leva jeito…); quando parte a nova carruagem para Miami; qual será o palácio que faremos o aniversário de casamento sem que ninguém note que estamos roxos de trocar porradas desde as núpcias.
Verdade, o mundo é uma fonte inesgotável de ternura e formas geométricas encantadoras. Gostaria de dizer, também, mas um cara chamado Gustavo Corção chegou primeiro e me passou a perna. Não importa, é mais ou menos, do jeito que eu penso: o certo e claro fato da morte, à medida que se aproxima e entra no nosso campo existencial , e no das pessoas que amamos, transforma-se em absurdo. Aquela bizarra certeza (aquela impressão) que evolui na direção inversa das outras.
A verdade é que os males, na sua inconsciência, nos empurram em desespero de aflição em aflição. Claro, toda morte (como todo fim ) será pontual, casual, acidental, como acontece sempre em nossas vidas. Mas nada, nem um minuto dela, nem o minuto das nossas tragédias, levaria a minha assinatura. Enfim, soaria simples afirmar-se que uma vida feliz consistiria na tranquilidade de cada mente. Vasculhar até descobrir isso na própria pele, é onde, de repente, reside o busílis (onde moraria o xis da questão ), como muito bem poderia ter complementado Cícero.
Já não bastam dias atribulados onde um “neodarwinismo” perverso se exterioriza na constatação que a lei é dura, a justiça é cega, mas a ereção, que segue idênticos passos, é muito mais respeitada. É justamente isso o que me parece mais intolerável. Restaria voltarmos a acreditar em Papai Noel frente a tanto otimismo? Pouco importa, ao fim e ao cabo, todos nós temos o direito de pensar e de ir e vir. Até o orgasmo. Um Próspero Ano Novo para todos. Visto de cima. Como se estivéssemos na janela de um avião em pleno voo.
José Delfino – Médico, poeta e escritor