DE FORTUITOS ENCONTROS –

Afinal, cada dia é outro. As horas, também. E ninguém tão exato como elas. E as coincidências, surpresas e repetições sublimes. Para uns, nem tanto. Para mim, muitas vezes. É que elas sempre me perseguem. Naquele ano a ditadura corria solta. Tinha sido assinado o acordo nuclear Brasil-Alemanha para a construção de oito reatores nucleares. Mães, mulheres e filhas de presos e desaparecidos criavam o movimento feminino pela anistia; embrião do comitê brasileiro da anistia, com representações em diversos estados. Uma em Paris até, onde viviam muitos exilados.

E eu com aquela ideia besta e fixa de me firmar como médico em Natal. Passeava eu no Maranhão. De rolé o nosso papo rolava solto numa mesa de bar em plena ilha maravilha. Garrafas de cerveja Cerpa, cuxá e peixe pedra, à vontade. Os camarões boiavam na superfície da sopa. Foi quando Manoel Neto me apresentou Jovino, à época engenheiro superintendente da EIT em São luís. Calmo, voz macia, inteligente e bom de conversa. Violão excepcional, chega dava inveja. Foi quando ele começou a cantar “… é só isso o meu baião / e não tem mais nada, não/ o meu coração pediu assim, só…” E ficou repetindo, “bim bom, bim bom…” E quando eu soube que ele era baiano e a minha verborreia sobre a genialidade do João Gilberto aflorou como uma sangria desatada. Feito água de morro abaixo, fogo de morro acima , e mulher quando quer dar.

Esses acontecimentos incontroláveis do mundo. A cada elogio meu se seguiam sorrisos marotos deles dois. Foi quando Neto atiçou a conversa: ele conhece muito João Gilberto, nêgo. Né, Jovininho? É, sim. Não acredito, cara, você é um privilegiado. Você já o ouviu ao vivo? Numa certa época, quase todo dia. Você tá brincando! Nunca consegui um ingresso para um show dele. Se intromete Neto. Pra você ver como são as coisas da vida e deu aquele risinho de mofa. Do que você está rindo, porra? Nada, não. Pois é, Jovino, mas o que mais me admira é você cantar tão bem, tão macio que lembra ele, tocar violão dessa maneira e ter virado engenheiro. Foi papai, Zedelfino. Ele bateu o martelo e disse que não queria mais nenhum cantor na família. Já bastava João pra lhe tirar o sossego e dar tanta preocupação. Nunca mais o vi. Continuei pensando que era gozação. Até quando li muito anos após o “Chega de Saudade” do Ruy Castro. Foi quando definitivamente caiu a ficha.

 

 

 

 

José Delfino – Médico, poeta e músico
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