DE MÉDICO E DE POETAS COLECIONADORES DE FUSCAS –
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo. Perdeste o senso!” Não é tão fácil, meu caro, controlar o pensamento; suas interrupções, suas hemorragias agudas aos borbotões; ou arguir o que estaria por vir quando ele aparece sem censura ou aparas; ele simplesmente chega e se vai, às vezes de um jeito fácil ou confuso, de forma bem alegre ou melancólica, que isto diriam se pudessem ser postos em ordem. É loucura, ou tentação do diabo, forçar a cabeça e rebuscar, que tudo tem sua hora: feito a certeza e a dúvida.
Dos paroxismos das ideias ainda rotas a palavra justa parece nunca chegar. Questão, então, de mera paciência e tempo, formatar um sentido lógico, compreensível e palatável. Fica-se a ver estrelas de tanto esforço, pois muitas vezes a escrita é uma e o entendimento é outro. Mas é que ele gosta e entende de facas. Tem uma coleção delas.
Costuma fatiar versos de dois em dois, um corte cirúrgico tão afiado e bem feito como o fazem os que manejam facas de fazer Sushi.
Que disso também entendem os médicos. Tem também uma coleção de Volkswagens antigos o que talvez explique a sua predileção por capôs de fuscas. E, quem irá saber, que este mundo é cheio de segredos, da sua predileção por poemas eróticos? Diz-se que não se pode ser poeta, ou mesmo apreciar um poema, sem uma certa perversão da mente. Meu Deus, olha o que ele fez com um dos meus.
“Úmido canto onde teu cio aflora,
Carne e sangue de espuma a poça”
O grosso instrumento que te deflora,
Introduzido com dificuldade,
Deixa, ao tirar-lhe a virgindade,
Úmido canto onde teu cio aflora,
Aberta, a flor que nunca mais reflora,
Emblema da menina-moça,
Aberta, com tamanha força,
Que, após a luta consumada,
É, ao se ver, conspurcada,
Carne e sangue de espuma a poça.
“ Odre túrgido viscoso molusco caravela,
Em mar vermelho de desejo que se abre”
O fruto vulvoso, já se nos revela
Onde, antes, semi-hermética fenda,
Outrora cobiçada oferenda,
Odre túrgido viscoso molusco caravela
Padecido sob muscular sovela,
Que, agiu como rombudo sabre.
Doravante aquele céu reabre,
A qualquer pedinte em ereção,
Que anseie por uma imersão
Em mar vermelho que se abre.
“À beira de lábios que se colam na busca,
Da vulva salobra onde quase me provo”
A névoa rósea que me turva, ofusca,
A vista, naquela pose coloquial,
Trazem-me gostosa sensação oral,
À beira de lábios que se colam na busca,
Duma carícia lingual mais brusca.
Ah, que prazeres a que me renovo,
Lascivos, bestiais, o que não reprovo,
E, qual abelha, o pólen sugando,
Grosso líquido vaginal vou tragando,
Da vulva salobra onde quase me provo
“Um rio largo de amor e aconchego,
Feito a alça arriada no ombro”
Tanto suco escorre desse rego,
De luxúria a mim embriagando,
Que penso estar me afogando,
Um rio largo de amor e aconchego,
Que à libido traz desassossego,
Mas, uma réstia de gozo, um escombro,
Em ânsias consome, sem assombro,
Todo erótico fogo, reprimido, mudo,
Despertado por um olhar tesudo,
(e, de quebra, arremata com o meu arremate)
“Feito a alça arriada no ombro
Que realça grudada em teu corpo
O rastro da língua que adentro apossa
Esse dedo essa mão nesse claustro
Onde cá me termino e te possuo”.
Difícil pensar que poesias em releitura possam ser fatiadas assim deste modo em mote e glosa, mas ele sempre, e diabolicamente, consegue. Corta, de dois em dois, os meus versos e põe um recheio de dez entre eles. “E eu vos direi, no entanto, que, para ouvi-los, muita vez desperto. E abro as janelas, pálido de espanto…”
José Delfino – Médico, músico e poeta.
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores