DE VIAGEM –
Já pensaram num país onde as pessoas quando se encontram, ao invés de apertarem as mãos, abaixam suas cabeças? Que encaram a prática do auto-controle como religião? Que, por pura disciplina e educação, são ordeiros, respeitam filas e prestam atenção a tudo? E ouvem, mais do que falam ? Pois é, existe. Tenho um respeito visceral por ele. E por seus habitantes. Afinal, todas essas atitudes explicitam, em princípio, um bem acolhido e claro sinal de humildade e respeito. Corre a lenda por lá que quanto mais sábio o ser humano, mais ele se curva ao peso da sabedoria. Tem sua lógica. Lógico , na lógica deles. Comparam-se ao arroz. Quanto mais grãos houver, mais a sua haste se inclina. Um tanto complicado decorticar tais hábitos (o primeiro deles, por exemplo). E incorporá-lo ao nosso modo latino de cumprimento, afeito essencialmente ao toque. Impossível pô-lo em prática até em tempos de pandemia. Provado está, nessa zorra da Covid-19. Só atentar para os contatos superficiais e oblíquos dos nossos cotovelos (o ponto máximo de distanciamento a que chegamos). E que virou moda nesses tempos bicudos. Extremamente pontuais, dizem, eles são. Muito mais, dizem até, que os alemães ou os ingleses. Vivem, corre o boato também, de cabeça pra baixo em relação a nós. Mesmo assim, não confundem o horário das 6 com o das 9 ao marcarem encontros. Em se tratando do numeral 69, deveria ser a mesma coisa. Mesmo porque nunca ouvi falar em 96 como método alternativo de intercurso sexual. Mesmo invertendo as posições, a técnica continua sendo entendida como tal. Por falar nisso, do 68 já ouviram falar ? Enfim, sonho em dar um rolé por lá.
No Japão. Terra dos antigos kamikazes. E do harakiri. O que, às vezes, me dá uma mórbida vontade de praticar. Seria ótimo ir até lá com uma companhia feminina habituada a viver um tanto perigosamente. E ao mesmo tempo sensível de corpo e alma. Já pensou a gente encarar o perigo potencial de morrer ao saborear um sashimi de baiacu? Ou ficar em êxtase vendo uma cerejeira florida no mês de maio; coisa que, até em fotografia gasta em preto e branco, eu adoro ver. Tentei aprender o idioma deles. Bem pouquinho, pra distribuir bem meu charme latino e parecer poliglota aos desconhecidos companheiros de uma eventual excursão. Em vão. Os tais dos ideogramas, aqueles desenhos não fonetizados, me fizeram desistir da empreitada. Tentei aprender um pouquinho de mandarim, como desforra. Outra imensa frustração. O método me parecia perfeito. Bastaria (li na propaganda) associar o som das letras do alfabeto romano bem como cada uma das sílabas, aos estranhos sons correspondentes deles. Caí fora. Logo notei que não aprenderia a ler ou escrever. Mas a comunicação oral, mesclada a gestos mímicos de desespero, seria minimamente possível. Não masterizei a ideia nem consegui antecipar como o faria. Optei em deixar de ser ousado e continuar analfabeto nessas duas disciplinas. Mas na minha luta, aprendi o significado de muitos verbetes japoneses. Longe daquelas onomatopeias inventadas por nós quando meninos, só de sacanagem, que nos levava do chiste ao inconsciente. Se fossem ditos por aquelas bandas, eles não entenderiam nada, absolutamente nada: ralukunomuro, takukunavara, mixikonavagina, mijarunakombi, cagarunumuro.
Nessa batalha perdida, descobri coisas interessantes. Sons que nos fazem gargalhar , mas possuem significados bem específicos na língua deles. “Koko”, quer dizer “aqui”, “shiri”, quer dizer “bunda”, “karai” , é “ardido”; “ku ji han, lembra cu de rã, mas é “nove e meia”; “kiku”, é “ouvir ou perguntar”, “sakana”, é “peixe”, “sentakki”, é máquina de lavar; “ manko”, imagine, é “xoxota”, “kikasete”, “escute”. E “chin-chin”, pinta de menino novo. Foi quando me lembrei do “kurapika”, aquele super herói do desenho animado, lembram? Doido pra ir até lá, menino, e degustar um sushi de vieira em Tóquio, no bairro de Nan Peidai. Tô só esperando bom tempo. Já me mexendo por dentro. Simples, assim. Como a vontade de fazer. De repente, continuarei vivo. E chegarei lá. Espero.