De volta ao passado –

Seis horas da manhã, de um dia de sábado, mês qualquer, anos cinquenta. Meu pai me acorda para tomar café e viajarmos para o velho Engenho Boa Vista, localizado em São José de Mipibu.

Papai pede para ligar para Praça Hillman que ficava na Rua Princesa Isabel, no quarteirão entre as Ruas Ulisses Caldas e João Pessoa. A Praça Hillman era de carros de aluguel – na época, hoje taxi. Carros pequenos da marca Hillman e Austin em sua maioria. Completavam raros Ford Prefect.

O telefone preto, pendurado na parede servia para chamar a Praça, que tinha o telefone dentro de uma caixa de madeira afixada em um poste da Companhia Força e Luz do Nordeste que era a concessionária de energia elétrica para Natal. Foi vendida para Cosern em 19 de outubro de 1968, com a chegada na energia de Paulo Afonso.

Chegando o carro, saíamos para a Estação Ferroviária Sampaio Correia, que ficava no mesmo local onde hoje funciona a Rede Ferroviária Federal. Mas antes passávamos na casa dos tios Pitota e Dante de Melo Lima para levar os Primos Sergio Lima e Maurício Coelho.

Papai tinha o vício de mesmo tomando café em casa, por obrigação passar no Café Majestic – ficava na Rua Ulisses Caldas quase em frente à Farmácia Natal que era de sua propriedade, e depois acender um charuto Florinha ou Suerdieck que vinham embalados em caixas de madeiras.

Bom, uma vez na estação, rumo ao trem, para nossa viagem que durava em torno de uma hora.  Chegando à estação ferroviária de São José, já estavam nos esperando cavalos selados, e fazíamos o percurso até o velho engenho, que eram uns três quilômetros. Passamos desfilando na praça da cidade, pois íamos até o mercado público, comprar mantimentos e visitar um amigo de papai conhecido por Major Dedé, e ainda na casa dos tios Mario/Alzira Guimarães para cumprimentá-los e levar mais alguns dos filhos do casal, Luiz, Rivaldo ou Jorge ou iam os três.

Caminhada tranquila pela rua principal da cidade, passávamos na lateral do Cemitério Publico, onde papai relembrava algumas pessoas que por lá tinham ou estavam sepultadas.

Chegando ao velho engenho, desmonte feito, ficávamos na nova casa, construída pelo tio Jorge Coelho, que por lá morou algum tempo, depois se mudou para Recife, logo íamos ver o gado no pasto. Todos montados em cavalos da propriedade. Com a morte de vovô, o engenho passou para os herdeiros. Visto o gado, papai retornava para casa e nós continuávamos o passeio pela propriedade, indo até a Mata Quiri, uma mata de difícil acesso, que ficava em um alto, no final da propriedade.

Caindo a noite, o passeio era de volta a cidade, para conversar ou namorar com as garotas geralmente nas praças, ou ficar ouvindo as conversas de Chico Tanoeiro, relembrando o tempo de Vovô. Vinham as lembranças de figuras de velhos moradores. A negra Dolores, uma negra bem alta e forte, que se vestia como uma baiana para cozinhar. Falava alto e dava boas risadas, fazendo a alegria da casa. Tinha um filhinho, um negrinho muito gordinho que ainda estava se arrastando pelos terraços da Casa Grande. João Redondo, um senhor de seus quarenta anos, que aparentava ser muito feliz. A noite ele ia até a Casa Grande e pegava um lençol de dormir, estendia, e com os seus bonecos, fazia o espetáculo, para alegria da criançada. Tinham vários outros, o barbeiro conhecido por Penteado, seu João o vaqueiro, Anselmo seu fiel ajudante, os irmãos valentes Chico e Zé de Olindo, Simão uns dos mais sábios e outros.

O velho engenho já não moía mais a cana de açúcar – na época cana caiana. uma cana grossa e plantada em terra de alagadiço, daí a importância dos dois rios que cortavam a propriedade, Trairi e Araraí que passavam por toda  propriedade indo até a lagoa de Paparí. O engenho só moeu, fabricou aguardente, açúcar mascavo e rapadura enquanto vovô foi vivo. Os herdeiros transformaram a propriedade só para a pecuária, e terminaram vendendo, pois começou a ter discórdia entre os irmãos e cunhados (as).

Vizinho ao engenho ficava a propriedade de um senhor que era marchante em Parnamirim, conhecido por Don João, lá criava gado para o abate em Parnamirim. Ele tinha duas filhas bonitas, que a gente ia conversar ou tentar um inocente namoro.

Certa vez, correu uma estória, que por traz de uma árvore, aparecia uma alma sem cabeça. Um dia eu e o primo Sergio Lima, hoje “Sergio Sapo” criamos coragem e resolvemos enfrentar a dita cuja.

O danado é que “o cão cutuca com vara curta.” Pois bem, quando estávamos bem próximo, mais muito próximo da árvore, vimos uma grande bunda branca aparecendo por trás da mesma. Sergio deu um enorme grito e os cavalos dispararam, Chegando mais adiante, resolvemos olhar para trás. Tinha um cidadão sugando as calças. Tinha acabado de fazer “suas necessidades” naquele local.

Façamos das antigas memórias/ As grandes armas da esperança/ E tiremos das doces lembranças/ A matéria-prima para novas histórias!”

Guga Coelho LealEngenheiro e escritor

As opiniões emitidas são de responsabilidade dos colaboradores

Ponto de Vista

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