DECISÃO ESTAPAFÚRDIA –
Fiquei duplamente estarrecido: primeiro com uma decisão ilógica, absurda, disparatada, despropositada, descabida, desarrazoada, insensata e desatinada de um ministro do STF, Alexandre de Moraes. A quantidade de sinônimos se justifica pelo absoluto desrespeito à Constituição por parte de um constitucionalista. Estudei Direito Constitucional, quando cursava a Faculdade de Direito, por livro de sua autoria. A decisão foi política e criminosa, óbvio. Considerou inconstitucional a indicação de Alexandre Ramagem porque era amigo do Presidente e da sua família. E o próprio Alexandre não era Ministro da Justiça e amigo de Temer? Marco Aurélio Mello não é parente próximo de Fernando Collor? O atual presidente do STF, Dias Toffoli não era advogado do PT e íntimo de Lula?
O segundo estarrecimento foi com a inesperada atitude de Bolsonaro: acatou o disparate e nomeou para chefe-geral da Polícia Federal Rolando Alexandre de Souza no lugar do impedido Alexandre Ramagem e do demitido Maurício Valeixo, o queridinho de Sérgio Moro. Os depoimentos de quase todos os demais ministros do STF foram solidários a Alexandre Moraes, portanto se Bolsonaro apelasse provavelmente perderia. Não insistir foi uma decisão de extremo bom-senso, o que não é comum no nosso presidente – como está na moda se falar: “foi um ponto fora da curva – point outside the curve”. Outra surpresa foi uma proposta extremamente coerente – o que não é o seu forte – apresentada por Marco Aurélio Mello: uma mudança no Regimento Interno da Corte. Todas as decisões que tratarem diretamente de atos de responsabilidade exclusivas de outros Poderes (Legislativo e Executivo) passariam a ser tomadas apenas pelo plenário do STF e não mais por um único juiz – decisão monocrática.
Mas a minha felicidade maior foi quando li o artigo do eminente jurista Ives Gandra Martins, sob o título “Harmonia e independência de poderes?” Vejamos alguns trechos:
“Aos 85 anos e mantendo amizade e admiração com e por grande parcela dos juristas brasileiros e muitos estrangeiros, de todas as colorações ideológicas, é sempre com constrangimento que, no dever que me imponho de cidadão, sinto-me na obrigação de expor opinião contrária àqueles expoentes do direito, que, sendo amigos, encontram-se em funções públicas.
Ao ler a Constituição, cujos trabalhos acompanhei de perto, …, não consigo encontrar nenhum dispositivo que justifique a um ministro da Suprema Corte impedir a posse de um agente do Poder Executivo, por mera acusação de um ex-participante do governo, sem que houvesse qualquer condenação ou processo judicial a justificar. A simples suspeita de que foi escolhido por ser amigo do Presidente da República e poder influenciar procedimentos administrativos levantados por um desafeto do primeiro mandatário não justifica, constitucionalmente, a invasão de competência de um poder em outro.
Se meras suspeitas servirem, a partir de agora, o Poder Judiciário estará revestido de um poder político que não tem, constitucionalmente, de dizer quem poderá ou não ser nomeado de acordo com a visão do magistrado de plantão, mesmo que não haja qualquer condenação ou processo judicial em relação àquele pelo Executivo escolhido.
A partir da decisão do grande constitucionalista Alexandre de Moraes, …, qualquer magistrado de qualquer comarca do Brasil poderá adotar o mesmo critério e por acusações, fundadas ou infundadas, não examinadas pelo Poder Judiciário, em processos com o direito inviolável à ampla defesa, impedir nomeações que são de exclusiva atribuição constitucional do chefe do executivo de qualquer município, estado ou da própria União.
Não entro no mérito de quem tem razão (Bolsonaro ou Moro), mas no perigo que tal decisão traz à harmonia e independência dos poderes (artigo 2º da CF), a possibilidade de uma decisão ser desobedecida pelo Legislativo que deve zelar por sua competência normativa (artigo 49, inciso XI) ou de ser levada a questão — o que ninguém desejaria, mas está na Constituição — às Forças Armadas, para que reponham a lei e a ordem, como está determinado no artigo 142 da Lei Suprema.
A insegurança jurídica enorme que o Poder Judiciário traz sempre que foge à sua competência técnica para ingressar na política, além de levar todo o partido derrotado nas urnas ou nas votações do Congresso pretender suprir seu fracasso representativo recorrendo ao Supremo Tribunal Federal para que este, politicamente, lhe dê a vitória não obtida no exercício de sua função eleitoral.
Não sem razão, temos visto as sessões técnicas de antigamente — quando sustentei pela primeira vez perante o STF, em 1962 ou 63, dois dos atuais ministros não tinham nascido — serem substituídas por seções em que muitas divergências ministeriais são respingadas por ofensas mais pertinentes às discussões legislativas.
Se as suspeitas do ex-ministro são verdadeiras, que haja o devido processo legal com o DIREITO A AMPLA DEFESA, com o que, havendo comprovação, não só a posse não pode ocorrer, mas como se deve punir o culpado, se algum delito foi cometido.
A minha irrestrita admiração de velho professor de Direito Constitucional ao Pretório Excelso e aos onze ministros que o integram, não poderia, todavia, afastar a obrigação, como mero cidadão, de externar meu desconforto em ver a Suprema Corte exercendo funções executivas e invadindo competências alheias, que entendo não ter, e gerando insegurança jurídica e não a estabilidade e a certeza no direito que toda a nação deseja.”
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