DEMOCRACIA – 

Nos tempos atuais a sociedade brasileira passou a conceituar “democracia” a partir do interesse desse ou daquele cidadão agregado à ideologia política de seu interesse. Cada segmento defende a sua “democracia” e certamente difere da “democracia” do outro, ocasionando assim uma falta de compreensão clara do que é realmente Democracia.

Para auxiliar nesse entendimento recorremos ao professor de sociologia Francisco Porfírio, no seu artigo “Democracia”, disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/democracia.htm.

Apresentaremos de forma compilada exclusivamente pela limitação de espaço, sem no entanto alterar conceitualmente o que o professor Francisco Porfírio nos transmite. Na íntegra pode ser lido no site citado acima.

Acompanhemos o professor:

O termo democracia tem origem grega, podendo ser etimologicamente dividido da seguinte maneira: demos (povo), kratos (poder). Em geral, democracia é a prática política de dissolução, de alguma maneira, do poder e das decisões políticas em meio aos cidadãos.

Apesar de conhecermos de perto a democracia, o conceito que designa a palavra é amplo e pode ser dividido e representado de diferentes maneiras. Não existindo apenas um tipo de regime político democrático, a democracia divide-se, basicamente, em: direta, participativa e representativa.

DEMOCRACIA DIRETA: É a forma clássica de democracia exercida pelos atenienses. Não havia eleições de representantes. Havia um corpo de cidadãos que legislava. Os cidadãos reuniam-se na ágora, um local público que abrigava as chamadas assembleias legislativas, onde eram criadas, debatidas e alteradas as leis atenienses. Cada cidadão podia participar diretamente emitindo as suas propostas legislativas e votando nas propostas de leis dos outros cidadãos.

Os cidadãos atenienses tinham muito apreço por sua política e reconheciam-se como privilegiados por poderem participar daquele corpo tão importante para a cidade, por isso eles levavam a sério a política. Os cidadãos preparavam-se, mediante o estudo da Retórica, do Direito e da Política, para as assembleias. Eram considerados cidadãos apenas homens, em sua maioridade, nativos de Atenas ou filhos de atenienses e livres. As decisões, então, eram tomadas por todos, o que era viável devido ao número reduzido de cidadãos.

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: É mais comum entre os países republicanos do mundo contemporâneo. Pela existência de vastos territórios e de inúmeros cidadãos, é impossível pensar em uma democracia direta, como havia na Grécia. Vários fatores contribuíram para a formação desse tipo de democracia, dos quais podemos destacar: (1) Sufrágio universal; (2) Existência de uma Constituição que regulamenta a política, a vida pública e os direitos e deveres de todos; (3) Igualdade de todos perante a lei, o que está estabelecido pela Constituição; (4) Necessidade de elegerem-se representantes, pois não são todos que podem participar; (5) Necessidade de alternância do poder para a manutenção da democracia.

As democracias representativas são regidas por constituições que estabelecem um Estado
Democrático de Direito. Nessas organizações políticas, todo cidadão é considerado igual perante a lei,
e todo ser humano é considerado cidadão. Não pode haver desrespeito à constituição, que é a carta
maior de direitos e deveres do país, e os cidadãos elegem representantes que vão legislar e governar
em seu nome, sendo representantes do poder popular nos poderes Executivo e Legislativo.

A vantagem desse tipo de organização política é a exequibilidade, e sua desvantagem é a brecha para a corrupção e para a atuação política em benefício do bem privado e não do bem público. Por ser um sistema em que a participação política não é exercida diretamente, mas por meio de representações, ele é chamado de democracia indireta.

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: Nem uma democracia direta, como era feita na Antiguidade, e nem totalmente indireta, como acontece com a democracia representativa, a democracia participativa mescla elementos de uma e de outra. Existem eleições que escolhem e nomeiam membros do Executivo e do Legislativo, mas as decisões somente são tomadas por meio da participação e autorização popular.

Essa participação acontece nas assembleias locais, em que os cidadãos participam, ou pela observação de líderes populares, nas assembleias restritas, que podem ou não ter direito a voto. Também acontecem plebiscitos para ser feita uma consulta popular antes de tomar-se uma decisão política. Esse tipo de democracia permite uma maior participação cidadã, mesmo com a ampliação do conceito de cidadania e pode ser chamada democracia semidireta.

O sistema político brasileiro pode ser chamado de representativo, mas a nossa Constituição Federal de 1988 permite uma ampla participação popular que, caso fosse efetivamente aplicada, poderia colocar-nos no patamar de democracia participativa, inclusive prevendo a possibilidade de uma iniciativa popular legislativa.

Alguns estados dos Estados Unidos exercem a participatividade semidireta, e um bom exemplo de país que exerce a democracia participativa é a Suíça. Já a democracia direta não existe mais a nível nacional na contemporaneidade devido à sua inexequibilidade perante a ampliação do conceito de cidadania.

O turbilhão de ideais surgido na Europa durante a Modernidade deu origem ao iluminismo e às chamadas revoluções burguesas. O iluminismo é um bom exemplo do resgate de certos ideais ocidentais, esquecidos durante muito tempo, contra o chamado Antigo Regime. Tratava-se de pensar em uma ampliação do conceito de soberania (agora popular) e de cidadania. Para tanto, era necessário reavivar a ideia de democracia dos gregos e trazer uma nova forma de pensar a política, sem estratificação social, como acontecia no sistema aristocrático europeu até então.

Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, entoados como mantras durante a Revolução Francesa, são um forte símbolo da democracia moderna, que nasce ao mesmo tempo que o republicanismo. Porém, vale lembrar que república e democracia não são sinônimos. A democracia moderna prevê a criação de um Estado de Direito, onde todos são, a princípio, livres e iguais, não importando a origem, a classe social, a cor ou a religião.

Aliás, o Estado Democrático deve ser laico, para que contemple as pessoas de todas as religiões existentes. As democracias mais maduras datam do mesmo período em que crescia o pensamento iluminista europeu, no século XVIII, e podemos citar a França e os Estados Unidos como as mais antigas.

Nessas democracias maduras, há um problema recente relacionado à pouca participação popular e à insatisfação com a criação de um Estado, às vezes, omisso e, às vezes, burocrático demais, dificultando a vida dos cidadãos, acirrando as desigualdades sociais ou sendo travado pela corrupção do sistema.

Existem também as recentes e frágeis democracias que, seguindo os exemplos modernos, ainda não conseguiram estabelecer-se plenamente, e muitos cidadãos ainda não estão habituados à vida democrática. São democracias que surgiram somente no século XX, depois de ditaduras conservadoras de direita, ditaduras comunistas ou longos regimes totalitários (como é o caso de Portugal e Espanha).

Sistematicamente, democracia e ditadura são termos opostos. Não é o simples fato de haver escolha política em um país (eleição) que o torna, automaticamente, uma democracia. Muitas ditaduras permitem eleições para que o processo político pareça mais legítimo. Porém, a ausência de participação popular na política e outros fatores podem denominar o que chamamos de ditadura.

Para ser considerado, efetivamente, uma democracia, um país deve conter, entre outras coisas: liberdade de expressão e de imprensa; possibilidade de voto e elegibilidade política; liberdade de associação política; acesso à informação; eleições idôneas.

A não observância dos fatores anteriores, somada a outros fatores, como a derrubada de uma constituição legal sem a formação de uma Assembleia Constituinte, pode indicar a existência de uma ditadura.

Quando um Estado Democrático de Direito, representado pela Constituição, é, por algum motivo, suspenso, interrompido ou deixado de lado, podemos dizer que há a formação de um Estado de exceção, que é uma das características de uma ditadura.

O filósofo francês contemporâneo Jacques Rancière escreveu um livro intitulado O ódio à democracia, em que ele disserta sobre a crise democrática que tem assolado os países no século XXI. Segundo o pensador, o mundo tem agido contra a democracia por uma espécie de medo que ela pode colocar no cidadão médio: o medo de que a democracia seja o regime político por excelência.

Rancière afirma que a democracia é o regime do dissenso, e isso tem promovido a cisão da população. É normal que haja discordância dentro de um regime democrático, mas deve haver também respeito mútuo por todas as partes que respeitam a democracia, e deve haver uma tentativa de construir-se um projeto comum com base na discordância.

A partir do momento em que setores autoritários não respeitam os seus adversários, tem-se início um processo de ódio contra a democracia que pede o fim dela para que o adversário e a sua posição política sejam eliminados. É daí que surge o anseio pela ditadura.

Como tantas outras coisas no Brasil, a relação entre democracia e política aqui é complicada. Na Primeira República, ou República Velha, tivemos um período provisório comandado por setores militares (1889 – 1894). Um período em que a chamada “política café com leite” deu início a um longo conchavo entre líderes de São Paulo e Minas Gerais para a presidência do país.

Em 1930, uma chapa liderada por Júlio Prestes, paulista, é indicada e eleita. Porém os políticos mineiros não aceitam a eleição, iniciando a Revolução de 1930, que acaba com a república e inicia a Era Vargas. Uma característica da Primeira República era o voto de cabresto, em que os coronéis locais mandavam e fiscalizavam as pessoas quando votavam, criando uma fraude que descaracteriza a legitimidade do processo democrático.

A democracia só foi restabelecida no Brasil em 1945, e, em 1964, o país vive outro golpe contra a república brasileira e contra a democracia. Trata-se do golpe civil-militar que impôs um regime de exceção entre 1964 e 1965, suspendendo direitos civis e a constituição, impondo a censura contra a imprensa e fechando, por alguns momentos, o Congresso Nacional.

Em 1985, a ditadura militar acaba, mas deixa como marca as eleições indiretas para presidente. Há a prevalência de um grande movimento, iniciado ainda no fim da ditadura, que se chamava “Diretas Já!” e pedia o estabelecimento de eleições diretas para presidente. Em 1988, acontece a Assembleia Constituinte que cria a Constituição Federal de 1988 e restabelece a possibilidade da democracia plena, reforçando direitos e promovendo a igualdade.

O respeito a essa democracia, até mesmo por parte de representantes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, e por parte da população civil, ainda é um problema, pois temos visto a violação sistêmica dos valores constitucionais por parte de políticos eleitos pelo povo e por parte do próprio povo. Em meio a altos e baixos, a democracia brasileira segue oscilando.

Busquemos, portanto, sempre o nosso direito de sermos cidadãos livres no pensar e no agir, respeitando da mesma forma a liberdade do outro pensar e agir.

 

 

 

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras, josuacosta@uol.com.br

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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