Não se trata, Senhor Redator, de defender uma sociedade sem leis, com eleições entregues ao poder político dos fortes sobre os fracos. A questão, a rigor, é bem outra. Passa pela conquista de uma sociedade menos regulamentada. Na qual o exercício das liberdades democráticas não tenha como espelho o escopo de leis que limitam e controlam, mas um corpus jurídico voltado para ser a garantia plena, sem negar os limites, mas sem fazê-los maiores do que a soberania do voto popular.
O modelo eleitoral brasileiro tem um vício de origem insuperável até hoje: uma legislação partidária concebida no Poder Legislativo legislando em causa própria, para manter os privilégios dos grandes partidos. É a força geradora de uma prática perversa feita para manter os pequenos na exiguidade de direitos, sufocados, transformando a campanha num espetáculo mambembe, sem espaço no palco das decisões, a não ser coadjuvantes de gracejos numa comédia de bobos sem corte. A legislação que nasce no Congresso Nacional divide os votos em grandes e pequenos. Essa classificação, na prática, é a medida de todas as coisas: do tempo de televisão e seus comícios eletrônicos; do caixa do fundo partidário e da perspectiva de vitória que sensibiliza os doares de contribuições financeiras. Quem, a não ser por ideologia, investiria num pequeno partido com o destino certo da derrota e sem chances de manter ou aprovar mudanças no mercado de interesses?
Montou-se ao longo das últimas décadas nas quais impera essa legislação, o círculo vicioso que acabou por eternizar os pequenos e os grandes. A única exceção, assim mesmo por exaustão das forças conservadoras desgastadas ao longo da Ditadura Militar, foi o PT, e muito mais pelo artifício de implantar um sindicalismo forte, de base partidária, representado pela CUT, libertando a luta das classes trabalhadoras do sindicalismo de resultados, improdutivo e esgotado, entregue aos pelegos.
Aliás, parece que Getúlio Vargas tinha razão quando de um lado fazia festa às massas com o seu apelo aos ‘Trabalhadores do Brasil’ e, do outro, nutria os gostos das elites brasileiras. Pode ter adiado ao máximo – quinze anos, de 1930 a 1945 – a crise de relações do seu governo com a classe trabalhadora. Crise que poderia ter gerado aquele conflito que anos e anos depois, só em 1964, acabaria gerando as condições ideais do golpe que derrubou Jango em nome do perigo comunista.
No mais, os pequenos ficarão, por muito tempo, confinados a seus cubículos e condenados à sua própria pobreza, até que os segmentos organizados da sociedade patrocinem com o grito das ruas uma reforma política capaz de rasgar a camisa de força legal que os grandes impuseram aos pequenos. Até lá, principalmente até que a sociedade redescubra sua força nas ruas, o modelo vai ser este que ai está: os pequenos serão pequenos, como cães que ladram enquanto a caravana passa.
Vicente Serejo – Jornalista e Escritor