O processo de impeachment contra Donald Trump ganhou contornos mais definidos com o testemunho prestado ontem por Gordon Sondland, embaixador americano perante a União Europeia (UE). No décimo-quinto depoimento no inquérito contra Trump, Sondland praticamente garantiu os argumentos jurídicos para que a Câmara determine o impeachment de Trump.
Nos Estados Unidos, impeachment não é sinônimo de deposição do presidente. Significa apenas a determinação de que ele seja submetido a julgamento no Senado, em virtude do que a Constituição americana descreve como “traição, suborno ou outros altos crimes e contravenções”. Para isso, basta o voto da maioria dos 435 deputados da Câmara, hoje controlada pela oposição democrata.
Até hoje, dois presidentes americanos já sofreram impeachment na Câmara – Andrew Johnson (1868) e Bill Clinton (1998) –, mas nenhum foi condenado e deposto. Mesmo que venha a ser julgado, é inverossímil que Trump venha a ser o primeiro, já que os republicanos detêm 53 das 100 cadeiras do Senado, onde a condenação exigiria o voto de dois terços, ou 67 senadores.
É difícil avaliar o impacto eleitoral do revés que Trump deverá sofrer na Câmara. O público americano continua dividido em relação ao processo: pouco mais de 47% são favoráveis ao impeachment; pouco menos de 46%, contrários. Entre os democratas, o apoio chega a quase 83%. Entre os republicanos, não passa de 10%. Mesmo assim, o desenrolar do processo garante que o imbróglio envolvendo Trump e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, estará no centro da campanha eleitoral.
Personagem central no caso, Sondland basicamente acusou Trump de solicitar suborno de Zelensky. Afirmou que agia sob “ordem expressa” de Trump ao exigir dos ucranianos, como condição para uma visita oficial de Zelensky à Casa Branca, o anúncio da abertura de investigações cujo alvo era o filho do pré-candidato democrata Joe Biden. “Seguimos as ordens do presidente”, afirmou Sondland.
O testemunho dele foi comparado ao de John Dean, advogado da Casa Branca durante o processo de impeachment contra Richard Nixon em 1973. Assim como Dean, Sondland faz parte do círculo próximo de Trump. Empresário do setor hoteleiro originário do Oregon, contribuiu com a posse de Trump e tornou-se embaixador junto à UE sem nenhuma experiência diplomática. O acesso direto que se gabava de ter a Trump e a resistência que enfrentava dos profissionais no Departamento de Estado dão maior credibilidade a seu depoimento.
Sondland mencionou dois momentos em que Trump agiu para garantir que a Ucrânia promovesse investigações contra Hunter Biden, filho de Biden que atuou no conselho de administração da Burisma, empresa de gás ucraniana envolvida em escândalos de corrupção. O primeiro foi em 23 de maio, depois da vitória de Zelensky na eleição. Ao pedir que Trump telefonasse para cumprimentá-lo e o recebesse na Casa Branca, Sondland ouviu a seguinte resposta: “Fale com Rudy”.
Rudy é Rudolph Giuliani, o ex-prefeito nova-iorquino e advogado de Trump que, desde o final de 2018, fazia pressão para que a Ucrânia investigasse a Burisma e disseminava uma teoria conspiratória sobre a intervenção ucraniana nas eleições de 2016 em favor dos democratas. “Os pedidos eram um ‘toma lá dá cá’ ”, disse Sondland.
O segundo momento foi em 26 de julho, numa conversa que Sondland manteve com Trump de um restaurante em Kiev, um dia depois do telefonema em que Trump, de acordo com o relato oficial, pediu um “favor” a Zelensky. Enquanto falava com ele ao celular, disse Sondland, Trump voltou a mencionar as investigações.
O único alívio que Sondland deu aos republicanos foi não estabelecer um vínculo explícito entre o pedido de Trump e a liberação do auxílio de US$ 391 milhões aos ucranianos. Disse apenas que presumia aquele vínculo. Mesmo assim, seu testemunho representou o maior revés para a defesa de Trump no processo de impeachment até agora.
Fonte: G1