O desmatamento durante a gestão Bolsonaro (2019 a 2021) aumentou 79% em comparação com os três anos anteriores (2016 a 2018) nas áreas que deveriam ser protegidas na Amazônia (Unidades de Conservação e terras indígenas). A análise foi feita por especialistas do Instituto Socioambiental (ISA).
Os dados foram extraídos do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), base do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) considerada a mais precisa para medir as taxas anuais. O governo já havia anunciado em novembro uma alta geral de 22% em todo bioma em comparação com o ano anterior.
O relatório do ISA tem um enfoque diferente e, apesar de usar a mesma base de dados, analisa os resultados dos últimos três anos para as áreas protegidas, que representam um dos pilares para a proteção da floresta na legislação ambiental do país. O portal g1 entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para complemento da análise feita pelo instituto e, se possível, uma explicação das políticas em andamento. Até a publicação dessa reportagem, a pasta não havia enviado uma resposta.
A alta de 79% é referente ao desmate realizado em todos os tipos de Unidades de Conservação (UCs), sejam elas federais ou estaduais e terras indígenas da Amazônia, referentes aos estados de Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, Maranhão e Acre.
As UCs são reguladas pela Lei nº 9.985, de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e são demarcadas com o objetivo de preservar a biodiversidade. Elas podem ser de uso sustentável – quando há liberação para extração dos recursos por moradores, respeitando normais específicas – ou de proteção integral – sem usufruto de comunidades.
Antônio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA, e um dos autores do relatório, avalia que além da política nacional de “desmonte” das políticas ambientais, também há um aspecto local:
“Os estados também costumam travar uma guerra fiscal, flexibilizando regras e normas para atrair projetos e investimentos. Na Amazônia, isso reflete em desmatamento”.
Veja o recorte para as maiores altas:
130% de alta nas UCs federais
Nos últimos três anos, as UCs federais perderam uma área de floresta 130% maior do que no mesmo período anterior. Segundo o documento, as UCs federais “sofrem com altos níveis de invasões e ilegalidade na exploração de recursos naturais”. No caso das UCs estaduais, a alta foi de 50%.
Maiores perdas de área de floresta em 2021 nas Unidades de Conservação Federais
Estado | PRODES 2021 | |
FLONA do Jamanxim | Pará | 18.984,69 |
APA do Tapajós | Pará | 10.587,03 |
RESEX Chico Mendes | Acre | 8.171,08 |
FLONA de Altamira | Pará | 5.706,39 |
ESEC da Terra do Meio | Pará | 2.716,36 |
FLONA de Itaituba II | Pará | 1.567,66 |
PARNA do Jamanxim | Pará | 1.340,04 |
FLONA do Bom Futuro | Rondônia | 1.118,35 |
RESEX Verde para Sempre | Pará | 1.097,37 |
REBIO Nascentes da S. do Cachimbo | Pará | 1.053,52 |
Entre as 334 UCs federais, 14 representam 90% da perda de vegetação. Dez delas estão no Pará. A Floresta Nacional do Jamanxim, localizada no sudoeste do estado, teve a maior área afetada e apresentou uma alta de 54% na taxa de desmatamento em comparação com o ano passado. Em 2019, após reportagem do Fantástico, o Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar a construção de uma ponte dentro da área.
138% em terras indígenas
Apesar de a taxa de desmatamento entre os relatórios de 2020 e 2021 nas terras indígenas ter caído 18,6%, a soma dos últimos três anos representou uma alta total de 138% nessas áreas.
A bacia do Rio Xingu responde por quase metade de toda a perda de floresta, principalmente nos territórios Ituna/Itatá, Apyterewa, Cachoeira Seca do Iriri, Trincheira Bacajá e Kayapó. Nessa lista, a primeira terra indígena é ocupada por índios isolados; a segunda é a mais desmatada do último ano e passa por processo de redução da área; a terceira, não menos importante, é a que mais perdeu floresta na história do monitoramento do Inpe.
Terras indígenas com maior área de perda de floresta
Estado | Área (hectares) | |
Apyterewa | Pará | 6.771,21 |
Trincheira/Bacajá | Pará | 3.552,79 |
Kayapó | Pará | 2.573,96 |
Cachoeira Seca | Pará | 2.345,38 |
Munduruku | Pará | 2.212,30 |
Piripkura | Mato Grosso | 2.151,98 |
Sete de Setembro | Rondônia/Mato Grosso | 1.478,70 |
Marãiwatsédé | Mato Grosso | 1.039,89 |
Kayabi | Pará | 842,75 |
Karipuna | Rondônia | 669,72 |
Há, ainda, uma alta impressionante de 9.175% na perda de floresta na terra indígena Piripkura. O território possui um total de 243 mil hectares onde vivem os dois últimos integrantes da mesma etnia. No final de novembro, o g1 noticiou que o avanço da pecuária ameaça a sobrevivência dos indígenas, que vivem isolados no noroeste de Mato Grosso – 15 a 28 fazendas, dependendo do parâmetro utilizado, estão nas áreas não demarcadas do território.
Terras indígenas com maior alta do desmatamento entre 2020 e 2021
PRODES 2020 | PRODES 2021 | VARIAÇÃO EM % | |
POYANAWA | 0,19 | 29,44 | 15.496 |
PIRIPKURA | 23,20 | 2.151,98 | 9175 |
RIO URUBU | 0,20 | 14,71 | 7273 |
PARACUHUBA | 2,91 | 36,25 | 1176 |
MARÃIWATSÉDÉ | 167,20 | 1.478,70 | 784 |
JAUARY | 27,24 | 201,90 | 641 |
SEPOTI | 30,69 | 197,76 | 544 |
P. DOS CANELA-APÃNJEKRA | 1,66 | 9,85 | 495 |
SISSAÍMA | 40,31 | 202,73 | 403 |
Histórico
Apesar de o agregado de desmatamento dos últimos três anos demonstrar uma forte alta, a curva do Brasil começou a subir já em 2013. Desde o início do monitoramento do Inpe, o pior ano foi 1995, com 29,1 km² de área perdida.
Entre 2004 (o segundo pior ano, quando o país tinha uma taxa de 27 mil km²) e 2012 (a mais baixa da história, com 4,5 mil km²), houve um plano de governo criado objetivamente para o combate à perda de floresta: o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Entre as medidas, estava o fortalecimento das ações de fiscalização.
Fonte: G1