José Narcelio Marques Sousa
O Dia do Canhoto passou e eu nem percebi. Aliás, eu nem sabia se tal dia existia. Da mesma forma que desconhecia a existência de datas comemorativas para goleiro, cantor, panificador, pedicuro ou ainda, da gratidão, da hospitalidade, da saudade, do trator, do cavalo e da banana – não consta o dia do “banana”.
Para se instituir determinada data comemorativa, o Congresso Nacional decreta e a Presidência da República sanciona. Aí pronto, está oficializado o dia. No aspecto de datas comemorativas, a banalização do processo legislativo brasileiro é algo risível, porquanto desenfreado e desnecessário. Criaram até um termo informal para caracterizar o absurdo: panlegiferação. Nelson Hungria, importante penalista brasileiro, escreveu: “O prurido legiferante no Brasil é coceira de urticária. Muda-se de lei como se muda de camisa”.
Mas, voltemos ao assunto central que é o Dia do Canhoto. Ser canhoto não é escolha espontânea do indivíduo. Trata-se de característica genética que determina o predomínio motor da mão esquerda. Estudos científicos concluem que portadores deste gene estão mais susceptíveis a doenças como epilepsia e esquizofrenia, porém são mais rápidos no raciocínio.
Estima-se que de 10 a 15% da população mundial seja de canhotos. Entretanto, tal parcela de “defeituosos” não alterou ou sequer sensibilizou o universo dos destros. Sim, porque ser canhoto é sofrer com as aspirais do caderno, com o abridor de latas, com a régua, com a tesoura e com o violão.
O calcanhar de Aquiles do canhoto está no jeito de escrever. Lembro que quando se insinuou em mim a tendência para usar a mão esquerda levei muita palmada na mão. Era reguada na escola e palmatória em casa. Da nada adiantou. Continuei com a forma estranha de pegar no lápis e com o estilo desengonçado de escrever borrando o texto com a própria mão. E aí os comentários: “Nossa, você é canhoto?”, “Como você escreve engraçado!” ou “Olha gente, ele escreve torto!”.
Isso sem contar com a dificuldade de escrever sentado em carteiras para destros ou de, numa mesa de jantar, sentir-se um peixe fora d’água incomodando o comensal à sua esquerda. Resta-nos o consolo de sabermos que dentre os canhotos existe muita gente importante. Albert Einstein, Benjamin Franklin, Alexandre – o Grande, Charlie Chaplin, Bob Dylan e Ayrton Senna foram canhotos. Também canhotos foram Adolf Hitler, Jack o Estripador e Osama Bin Laden. Isso sem falar nos vivos, que formam uma penca de gente de destaque em todas as atividades imagináveis.
Pois bem, passou o dia do canhoto e eu não o comemorei. Eu também esqueço comemorar os dias do leitor, do sogro, do avô, do pai, do ancião, do vizinho, do atleta amador, do irmão e do engenheiro.
É admissível, sim, o cidadão não se preocupar em festejar tanta data comemorativa, mas, esquecer o dia do próprio aniversário é dose cavalar. Essa eu também esqueço. E justifico: sou bissexto. Um nascido em 29 de fevereiro. No duro eu deveria comemorar aniversário de nascimento de quatro em quatro anos. O resultado é que nem comemoro no dia 28 de fevereiro, nem em 1º de março, tampouco no dia 29 de ano bissexto. Então surge diálogo idêntico a esse de 2014:
“Papai, parabéns pelo aniversário!” – perguntam-me. “Por qual idade você me parabeniza, pelos 70 anos ou pelos 17,5?” – ironizo na resposta. Então ouço:
“Ah, é assim, é? Parabéns por estar vivo!”. E fecha-se a cortina.
José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil. [email protected]