O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, admitiu nessa sexta-feira (14) que vai buscar a aprovação da vacina chinesa CoronaVac antes mesmo do fim dos estudos clínicos com os nove mil voluntários brasileiros.
“Os resultados da fase 1 e 2 foram muito animadores, mostrando um perfil de segurança elevado e também uma alta capacidade de indução de anticorpos nas pessoas que receberam. Tudo isso delimita uma vacina segura e eficiente e daí a nossa avaliação de que na sequência nós poderemos ter os resultados deste estudo clínico muito rapidamente. Antes do fim deste ano é muito possível que nós tenhamos a demonstração cabal da eficácia desta vacina, e com isso possamos registrar e usar a vacina já a partir do próximo ano”, disse Dimas.
Apesar da previsão de registro da vacina até o fim deste ano, segundo o Clinical Trials, que reúne informações sobre estudos clínicos de vacinas, o próprio Butantan informou que o último voluntário só será examinado em outubro de 2021.
“O estudo só será de fato encerrado após estes 12 meses. A eficácia poderá aparecer a qualquer momento a partir de outubro deste ano”, disse Dimas Covas.
O pedido de autorização para fabricação das doses da vacina contra o coronavírus pode acontecer mesmo com os estudos clínicos em andamento desde que os fabricantes demonstrem, cientificamente, que a vacina é segura e eficaz.
Ao todo, 9 mil profissionais da saúde devem participar dos testes nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília, durante a terceira fase de testes da vacina chinesa.
A farmacêutica Pfizer, que trabalha em outra vacina, também pretende apresentar os primeiros resultados em outubro deste ano, antes do fim dos ensaios clínicos, previstos pra novembro de 2022. A empresa diz que em caso positivo e após receber todas as aprovações regulatórias necessárias, espera iniciar a produção ainda em 2020.
Outra vacina que também está na terceira fase de testes é a de Oxford, que é testada no Brasil pela Universidade Federal de São Paulo. Ela foi a primeira a receber autorização da Anvisa para os testes no país. O laboratório astra Zeneca e a universidade de Oxford esperam entregar 30 milhões de insumos farmacêuticos ativos ao governo brasileiro entre dezembro deste ano e janeiro de 2021.
No entanto, o laboratório diz que “é importante ressaltar que as entregas dependem do sucesso dos resultados preliminares da fase 3 dos estudos clínicos” da vacina.
Segundo o Instituto Butantan, a vacina desenvolvida em parceria com a empresa chinesa Sinovac deve ser produzida em larga escala assim que apontarem que há eficácia, mas especialistas afirmam que acelerar o processo pode comprometer o resultado final.
“O critério para esta vacina ser aprovada é que haja uma proteção de pelo menos 50%. […] Lógico que eu ia preferir uma vacina com proteção de 90% do que 50%, mas uma vacina de 50% ela já vai ter um impacto e é uma primeira vacina. E ali você já consegue, lógico, se eu proteger 50% da população que tomar a vacina, já vai ter um impacto muito grande na transmissão”, disse o epidemiologista vice-presidente do Sabin Institute, Denise Garrett.
Denise diz ainda que os efeitos da imunização não vão aparecer imediatamente, por isso, não dá pra relaxar com os cuidados contra a Covid-19
“O foco agora tem que ser reduzir a transmissão no brasil. mesmo porque, vamos supor, que a gente tenha uma vacina como essa, de 50% de proteção no fim do ano, mais uns meses para distribuição e vacinação em massa, a gente não vai ver o impacto desta vacina até no mínimo no fim de 2021, por isso que é importante estar preservando o máximo de vidas possível porque certamente essa vacina pode ser decisiva, mas não vai ser a bala de prata e milagrosa pra poder interromper a transmissão logo”, disse Garrett.
Os especialistas explicam também que, mesmo que a vacina seja aprovada antes do fim dos estudos, ela não traz riscos à saúde.
“A segurança de qualquer maneira vai estar garantida, então o único risco que a gente correria seria de repente se a gente perceber que a eficacia não ficou assim super precisa.[…] Mas é a precisão cientifica que talvez não seja aí tão bem avaliada em menos tempo, quando você tem mais tempo você reúne uma quantidade maior de dados e isso permite um maior poder estatístico e você vai ter uma resposta mais precisa quando você terminar”, disse a microbiologista, pesquisadora da USP e presidente do Instituto questão de ciência, Natália Pasternak.
Em nota, a Pfizer informou que a finalização dos estudos clínicos não é obrigatória para a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que a eficácia pode ser avaliada rapidamente, a qualquer momento do estudo.
A Astrazeneca, que desenvolve a vacina em parceria com a universidade de Oxford, disse que ela já se mostrou segura nas fases um e dois e que já iniciou a produção mesmo com os riscos, mas que as entregas ainda dependem dos resultados preliminares da fase três.
Início dos testes
Os testes com a vacina chinesa contra a Covid-19 começaram no dia 21 de julho no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Os voluntários serão acompanhados por uma equipe científica durante três meses. Após a aplicação da primeira dose, os voluntários recebem uma segunda dose da vacina 14 dias depois.
Metade dos voluntários recebem placebo e a outra metade a vacina. Esse tipo de estudo é denominado de duplo cego, pois pesquisadores e pesquisados não sabem quem recebeu qual tipo de tratamento.
Em 3 de julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a nova etapa do projeto. Dias depois, o governador João Doria (PSDB) anunciou que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) também aprovou a realização dos testes.
Além do Hospital das Clínicas, a vacina será aplicada em doze centros de pesquisa selecionados no país e coordenados pelo Instituto Butantan.
Voluntários
Apenas profissionais de saúde que estejam atuando diretamente no combate à Covid-19 poderão participar da terceira fase de testes da vacina contra o novo coronavírus. Outros pré-requisitos são que os voluntários não tenham se contaminado pela doença anteriormente, mulheres não estejam grávidas ou planejem engravidar nos próximos três meses, e que os voluntários morem perto de um dos 12 centros de pesquisa que conduzirão o projeto.
De acordo com o governo estadual, o Instituto Butantan está adaptando uma fábrica para a produção da vacina. A capacidade de produção é de até 100 milhões de doses.
A inscrição e triagem inicial dos voluntários foram realizadas pela internet. Cada centro de pesquisa ficará responsável pelas informações coletadas dos voluntários, que serão sigilosas.
A parceria entre o laboratório chinês e o Butantan foi anunciada no dia 11 de junho. Na ocasião, o governador João Doria (PSDB) disse que, se comprovada a eficácia e segurança da vacina, ela será disponibilizada no SUS a partir de junho de 2021.
Oxford x Sinovac
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas disse no final de julho que a diferença entre as vacinas contra a Covid-19 produzidas pelo laboratório chinês Sinovac e a universidade britânica Oxford é a tecnologia usada na produção.
“As tecnologias usadas na produção das vacinas são tecnologias diferentes. A tecnologia da vacina que nós estamos desenvolvendo é uma tecnologia tradicional. Então, ela já foi usada na produção de outras vacinas aqui no Butantan como a vacina contra raiva humana que nós produzimos e contra a dengue, usa essa tecnologia. É uma tecnologia usada tradicionalmente na produção de vacinas. Então, isso mostra que a produção de vacinas para outras doenças infecciosas como essa tecnologia tem um perfil de segurança testada, aprovada por organismos internacionais e em uso”, explicou.
“A vacina de Oxford é uma tecnologia nova que não foi ainda utilizada na produção de outras vacinas, que não foi ainda utilizada em outras vacinas, que poderá ser até uma evolução na produção de vacinas. Mas além da demonstração e eficácia, ela precisará ter o seu processo produtivo validado por esses institutos”, concluiu ele.
CoronaVac
A vacina da Sinovac já foi aprovada para testes clínicos na China. Ela usa uma versão do vírus inativado. Isso quer dizer que não há a presença do coronavírus Sars-Cov-2 vivo na solução, o que reduz os riscos deste tipo de imunização.
Vacinas inativadas são compostas pelo vírus morto ou por partes dele. Isso garante que ele não consiga se duplicar no sistema. É o mesmo princípio das vacinas contra a hepatite e a influenza (gripe).
Sendo assim, a vacina implanta uma espécie de memória celular responsável por ativar a imunidade de quem é imunizado. Quando entra em contato com o coronavírus ativo, o corpo já está preparado para induzir uma resposta imune.
Cientistas chineses chegaram à fase clínica de testes – ensaios em humanos – em outras três vacinas. Uma produzida por militares em colaboração com a CanSino Biologics, e mais duas desenvolvidas pela estatal China National Biotec.
Fonte: G1