A insistência e a persistência do governo em criar mais um tributo em substituição à famigerada CPMF, que, num exercício de contorcionismo burocrático, receberá uma sigla palatável aos ouvidos dos cidadãos brasileiros, vítima preferencial da autofagia governamental, me fez repensar o passado e encontrar no pensamento do grande jornalista brasileiro Paulo Francis, em sua verve mais crítica, uma citação bem a caráter: “como o governo não presta serviço público, no Brasil qualquer imposto é doação”. Reconheço o radicalismo da expressão, mas, se refletida à luz dos parcos e porcos serviços públicos prestados a sociedade, o velho jornalista se reveste de razão.
Os poderes constituídos brasileiros, uma trinca, com conotação proposital, pensam contrariamente à lógica nacional. Insistem e persistem na recriação de um tributo que já se mostrou ultrapassado e deixam de discutir a institucionalização de um outro já existente desde 1988, na remendada Constituição Federal Brasileira, que traz no nome a essência de uma base racional para a existência de mais um tributo: o imposto sobre as grandes fortunas.
Imposto sobre Grandes Fortunas?
Sim. Tal e qual.
Por que não foi instituído ainda? É um dos grandes segredos do Estado Brasileiro. Vamos esperar as próximas eleições, depois as seguintes e quem sabe os candidatos, no pleno exercício do dom de iludir, ofereçam uma justificativa, explicação ou qualquer coisa que nos ajude a continuarmos iludidos.
Há alguns dias, o país era perfeito, o dinheiro sobrava, as obras foram nominadas, tudo tinha a simplicidade de um passe de mágica (ou ilusionismo), e, de repente, como se o passado voltasse, começa a se articular a velha manha política. Se para conciliar o caixa do governo, não importa os níveis de ineficiência e desperdício com que se tratam os recursos públicos (a corrupção é por sua conta), o que significa tirar mais algum do bolso do povo? Um povo que simplesmente habituou-se a ser enganado a assumir os ônus de contínuas gestões públicas temerárias ou desastrosas.
Imaginem que ao surgir uma necessidade premente nacional for criado um tributo novo. Teríamos, com certeza, algum específico para a educação, para a segurança, para a assistência social e imaginem o tamanho da relação. Acho que, apesar da criatividade comprovada, faltariam siglas. Sempre foi assim. Sempre será assim. Até o dia em que a sociedade consciente, detentora constitucional do poder, resolver revogar definitivamente do “poder” e seus homens maravilhosos e contorcionistas, o dom de iludir.
Finalizando este artigo ilustro com uma reportagem feita por uma das emissoras de TV (horário nobre e muito bem pago, logicamente) sobre as evoluções que o Sistema Único da Saúde (SUS) trouxe para a sociedade. Estatísticas maravilhadas foram mostradas. Terminada a reportagem a emissora retornou com a programação normal e transmissão, em cadeia nacional, de um telejornal de grande audiência. A primeira chamada tratava de um ex-presidente da República que, acometido de uma doença supostamente grave, se internara no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Sinceramente, eu fiquei sem entender. Se o SUS está tão bom por que aquela autoridade preferiu o Hospital Sírio Libanês?
Fiz um rápido comentário com pessoas da família que assistiram tamanho contraste, mas, como bons brasileiros, disseram: mas agora temos uma mulher!
É verdade, pensei. O problema é que o dom de iludir é comum aos dois gêneros.
É?
Sei lá. Se não sabemos as efetivas razões de algo tão importante como a criação de um novo tributo ou não criação de um já constitucionalmente existente e que, certamente, recairá sobre nossos bolsos, de que nos valerá o reconhecimento da ascensão feminina na política brasileira se o quadro é tão comum de dois gêneros, quase homofóbico.
Adauto José de Carvalho Filho, AFRFB aposentado, Bacharel em Direito, Pedagogo, Contador, Escritor e Poeta)