Cuidadosa – negar seria injusto – e diante de tão graves desafios, a cobertura política tratou de não cobrar a marca dos cem dias. Evitou que um número cabalístico de apenas três meses e dez dias mais uma vez fosse marco de julgamento. Sobretudo, movesse uma avaliação das realizações de um governo que ainda não apresentou um quadro geral da situação financeira e administrativa garantindo a transparência, nem fixou seu programa de ações ao longo dos próximos quatro anos.
Aliás, se o tivesse feito, cobrando os cem dias, não faltariam assessores contrapondo-se à cobrança de milagres em tão pouco tempo. Foi o próprio marketing que alinhou as ações e festejou a data em nome de uma glória que, a rigor, tem sido feita mais de sacrifícios do que de conquistas. A maior obra do governador Robinson pode ter sido, talvez, comandar o governo diante da maior crise financeira das últimas décadas sem desassossegar a sociedade, discriminar ou culpar ninguém.
Seu gesto de serenidade, maior qualidade de quem governa um pequeno grupo, um exército ou uma nação, veio lastreado por uma harmonia de estilo de quem quer demonstrar a consciência de ser exemplar abrindo mão da residência oficial e de criar novas despesas. Pode não ser feérico para fotografias, mas, certamente, há de ter sido determinante na definição de uma nova postura do que as imagens que viessem ilustrar as máquinas nas obras físicas ou suas viaturas em rondas policiais.
Claro que o governo tem direito de mostrar essas ações e escolher, entre todas, as que julgar mais importantes ou que pareçam mais relevantes. Mas, não deixa de ser uma estratégia repetitiva, para não dizer pouco inovadora, não valorizar a quebra de paradigmas de um governo que apesar de realizar o possível em obras físicas nos cem dias, impôs um novo estilo retomando a austeridade no trato da coisa pública, a palavra com o zelo do compromisso e a serenidade como um dever público.
A eficiência do marketing de João Santana, o bruxo das campanhas de Lula e Dilma, não está na genialidade das emoções que produz, mas na capacidade de fundar sentimentos individuais e fazê-los coletivos. Ele sabe, e aprendeu lendo as lições do grande neurocientista português, António Dámaso, de quem é leitor com livros de cabeceira, que as emoções passam como ondas de ira ou aplauso, mas sentimentos, quando fixados, são a grande base sobre a qual se ergue o juízo de valor.
Ainda valorizamos muito mais o marketing voltado para a exibição das obras de pedra e cal do que pelos gestos imateriais. Uns, pelo tom de um pragmatismo que nasce muito mais do faro do que da consciência intelectual do processo da comunicação coletiva. Outros, pela incapacidade de realizá-los de forma inovadora e requintada. Daí esse pobre varejão de troféus que edulcoram o nosso marketing. É por isso que ainda hoje fabricamos os fenômenos, mas não formamos líderes.
Vicente Serejo – Jornalista e Escritor