DOS ESPINHOS DO ISOLAMENTO – José Delfino

DOS ESPINHOS DO ISOLAMENTO –

E eu aqui procurando administrar minha angústia. Abusando de racionalizações. Dos meus parcos e poucos mecanismos de defesa. Forçado a me esconder. Alternando, todo santo dia, todas as minhas máscaras. Afastado à força da multidão que costumava mergulhar deslumbrada em templos. Agora, só. E ela também, solitária nas ruas. Nos bares, restaurantes e botequins. Alimentando minha inquietação ao ver espaços livres, como nunca dantes. Vivendo um universo paralelo codificado numa coleção de presságios, onde a adivinhação é o que conta. Tudo pra salvar a própria pele.

Difícil conviver com a incerteza e encontrar perguntas, onde eventuais respostas só desassossegam. Segregado estou. Literalmente, lavando as mãos para o que der e vier, findei por cansar de mim. Agora, de saco cheio até com a fadiga dos outros. Nada de pretender encontrar qualquer simbolismo no meu espaço restrito. E nem a minha relação com ele. Feito um caracol escondido na própria concha.

Mas não há de ser nada: acontecimentos felizes, encontros, desencontros, frustrações, fazem parte da vida. São pontos de partida para cada qual se encontrar. Construir sua própria história. Pra ser contada aos outros pro o resto da vida. Talvez até mesmo ser lembrada, mesmo depois dela. Difícil tentar entender e aceitar os desígnios da natureza.

Claro, raciocinar sobre o imponderável não leva a muita coisa, não. A banalização das catástrofes crônicas desbota um tanto o sentimento. Mas certas pitadas de humor ainda funcionam. O que me remeteu a uma historinha singela que ouvi quando era menino.

Era uma vez um homem que estava em paz com sua companheira. Viviam sozinhos. O sonho deles era terem um filho com quem partilhar amor e carinho. O que acabou acontecendo. De uma forma um tanto estranha. O que não diminuiu em nada o seu amor por ele. Muito inteligente, a verdade é que ele navegou no contrafluxo. Morreu bem antes do pai. E o velho a remoer o desejo de avistar-lhe um dia.

Até que aconteceu o instante em que ele bateu à porta do céu e foi logo querendo entrar. Foi impedido pelo porteiro, que logo perguntou quem ele era. Eu não sou nada. Eu sou um Zé ninguém. Fui um pobre carpinteiro na terra. Fui pai, aliás padrasto, e tenho uma imensa saudade dele. O meu maior desejo seria revê-lo aqui em plena glória. Depois, o senhor fará o que quiser de mim. Pouco importa.

Como a sua chegada era esperada, o porteiro associou aquele lacônico resumo ao do filósofo São Tomás de Aquino, que há muito tempo já rolava por lá. “O poder gerador do Espírito Santo atravessou o hímen da virgem como um raio de sol passa através de um vidro, sem rompê-lo”.

E saiu a passos largos gritando eufórico, Senhor, Senhor, o seu pai está aqui. E eis que Ele aparece. Com aquele fácies típico que, para alguns, implica, paz, amor e perdão. Branco, alto, nariz aquilino, belos olhos azuis, os cabelos encaracolados descendo até os ombros. Papai, Papai! E o velhinho, estupefato, sem entender muito bem o que via: Pinocchio, como você mudou, meu filho!

 

 

 

 

José DelfinoMédico, poeta e músico
As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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