Valério Mesquita*
01) Zé Jeep era engraxate, tocador de trombone e palhaço dos pastoris suburbanos de Macaíba. Figura lírica que chamava a atenção pelo seu pequeno porte de um metro e meio. A sua cadeira ficava na Rua João Pessoa, centro. Vez em quando, era flagrado em imperturbáveis cochilos, frutos da boêmia noturna. Gostava de beber mais do que podia e cabia o seu invólucro corpóreo. Certa vez, tocava num bloco carnavalesco de assalto que visitava a casa do prefeito Alfredo Mesquita, de quem era correligionário, e colocou-se ao lado do seu líder soprando forte o trombone para impressionar. De repente, Zé Jeep deixou escapar um ruidoso estampido intestinal. O velho político não dispensou o comentário: “José, o seu trombone tá vazando som desnecessário”. A grande performance da sua vida, gravada na memória de tantos que o conheceram, não foi somente a do engraxate, ressacado, mas a do pequenino homem da noite pobre dos pastoris da cidade, que entre dianas, pastoras e contramestres, sustentou a alegria brejeira, limpa e simples dos humildes, que hoje não se vê mais. Zé Jeep faleceu há cerca de trinta anos passados.
02) Manoel Guedes da Fonseca Filho foi farmacêutico. Filho de São Paulo do Potengi, estabeleceu-se em Macaíba, elegendo-se vereador várias vezes pelo seu espírito solidário e prestativo, principalmente em relação aos mais pobres. “Guedinho”, como o chamavam na cidade, era dotado de permanente bom humor, brincalhão e se realizava quando o convocavam para atender um doente pobre da periferia da cidade. Comerciante, vivia em dificuldades financeiras porque não recebia dinheiro de quem não pudesse pagar o remédio. Faleceu de repente, numa manhã clara, em plena farmácia, assistido pelos familiares e amigos. Guedes deixou uma imensa saudade e inúmeras histórias bem humoradas, entre elas, a de Zé Buchudo, antológica, que vale a pena contar de novo. Zé Buchudo era um comerciante, proprietário de um pequeno açougue, nos fundos do mercado. Certa feita, numa dessas manhãs chatas da cidade, foi convidado pelo farmacêutico Manoel Guedes e patota a empreender uma viagem de circunavegação pelos bares da cidade. Guedes, capitão de longo curso, dirigiu logo a nau dos insensatos à cidade de Parnamirim, onde ancoraram no famoso cabaré de Tibinha. Desnecessário dizer das abluções profundas e repetidas ate à hora vespertina, quando pressentiram que o náufrago Zé Buchudo havia mergulhado a estibordo, em abismal sono etílico. Retornaram a Macaíba e entregaram a domicilio, em pré-coma, o que restou do nosso herói. Estirado no sofá da sala, Zé Buchudo sobreviveu a todos os exercícios de ressurreição ministrados pela esposa e filhos. Findos alguns minutos, aí então veio a cena patética: Zé Buchudo abriu os olhos, viu a esposa inclinada sobre si, soltou a catastrófica exclamação denunciadora: “Mas, fia que é que você está fazendo aqui no Cabaré de Tibinha?” Depois dessa, Zé Buchudo era a imagem do próprio cristão trucidado.
(*)Valério Mesquita – Escritor, Presidente do IHGRN – [email protected]