“É MUITO FÁCIL CONSERVAR O CARÁTER DO QUE RECOBRÁ-LO”-
THOMAS PAINE
Desta vez eu fui firme. Ainda me custava acreditar que fui capaz de ser tão direta e taxativa, disse-lhe:
– Não! Não farei, não direi… não mais! Fui tomada por um alívio ao emitir essas sonoras e tremulas palavras, que saíram meio atropeladas, e, provinham dos meus resquícios de sanidade e sensatez.
Eu sabia que essa negação me traria uma contrapartida, não haveria de finalizar ali. Haveria, sim, retaliações. Eu seria bombardeada por revides de ofensas mesquinhas e egoístas. Resisti, me mantendo firme na minha decisão. Estava dito, a palavra não mais voltaria depois de proferida e o que restara era saber o que aquela ação poderia desencadear. Eu não me sentia pronta para aquele duelo de Titãs. Havia muita coisa envolvida, o sangue da dor se mostrava mais vivo e brilhante, as veias pulsavam e pareciam estourar. A tensão fazia saltar o coração e jorrar o hálito dos improváveis acontecimentos. No entanto, não havia mais tempo para adiamentos.
Sempre me senti curvada aos seus desatinos, por longos anos, sem questionar e nem sequer argumentar tantos disparates. Aceitava, apenas! O maior duelo que eu enfrentei, por todo esse tempo de conivência, foi comigo mesma. Eu brigava e gritava, implodindo meus caos e razões, entre os sonhos idealizados, buscados e desencontrados. Por longos períodos acreditei que a conivência seria o caminho para encontrar o que tanto desejei: a cumplicidade de duas almas. O encontro de duas metades inteiras que se completam com a comunhão dos seres. Eu estava errada. Só agora me dei conta da minha ingenuidade.
Não, eu não poderia mais aceitar determinados procedimentos. Já havia me machucado, e deixado machucar, com as submissões em nome da “paz”. Nada mais me impediria de revelar o que eu insistia em esconder, quando pensando ser o melhor para todos. É, Esqueci de me enxergar, de olhar os estragos que eu fazia na minha alma. Acomodava-me quando, puxando lá de dentro toda compreensão para tais permissões, “entendia” os propósitos, os fins e permitia ser recrutada. Ainda que arredia e contra meu querer, ia. Ia e fui e nem sei quantas vezes… permiti ser comandada e, em certos momentos, manipulada. Sentia-me covarde e destemida ao mesmo tempo, meus valores e honras conflitavam sobre as razões que me sujeitavam a ceder, a trair meus princípios e objetivos.
Se por um lado eu me sentia fraca, por outro lado eu me via coabitando universos distintos e quase inexploráveis. Mundos pouco entendíveis que me desafiavam a transformar enigmas em condutas aceitáveis. Talvez os maiores propulsores de toda essa perigosa caminhada fossem a esperança e o desejo, calcados no amor, da transformação de um ser. Descobri que tem coisas que não se muda. Molda-se, adapta-se. Quem se é, o é para sempre, pois isso não se muda. Adormece!
Sempre haverá escolha, mesmo que tardia. Sempre haverá uma chance de emitir o grito do resgate de si mesmo, explorando e provocando a melhor parte que há em si. Às vezes é preciso um pouco de guerra para se conseguir a paz.
Eu estava tão maravilhosamente bem com essa nova mudança nos meus hábitos, que me sentia flutuar. Havia uma leveza na alma. Havia a certeza de que eu fiz a melhor escolha… ainda terão muitos Nãos, muitas pequenas batalhas. Ainda há tempo em conservar quem eu sou. Ainda há tempo para montar meu exército e lutar contra meus próprios monstros.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora
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