“E O DESTINO DESFOLHOU” – Violante Pimentel

“E O DESTINO DESFOLHOU” –

Esse é o título de uma linda valsa, uma das preferidas do meu pai. Quando eu era menina, sempre o ouvia solfejá-la. Descobri agora, pesquisando, que é da autoria de Gastão Lamouner (1893-1984) e Mário Rossi (1911-1981) – gravação de Carlos Galhardo (ODEON- 1938).

Houve uma época, quase na década de 60, em que estava na moda as moças estudarem acordeon (sanfona). Em Nova-Cruz, foi uma verdadeira “coqueluche”. Minha mãe comprou uma sanfona para a minha irmã Ana Maria e contratou o Mestre da Banda de Música de Nova-Cruz, para ministrar aulas a ela e à outra minha irmã, Valéria. Elas estudavam pelo “Método de Acordeom”, de Mário Mascarenhas”. Nesse Método, entre inúmeras músicas, também constava a valsa “E o Destino Desfolhou”, de que meu pai tanto gostava.
Por ser eu a caçula, ou talvez por economia, não fui matriculada na aula de sanfona. Tampouco, podia chegar perto dela, com a desculpa das minhas irmãs de que eu iria desafiná-la.

Irmã caçula sofre muito…Todos achavam que eu era muito criança para estudar acordeon. Sentindo-me injustiçada, quando eu me via sozinha em casa, a primeira coisa que eu fazia era colocar a sanfona no colo e tentar aprender a tocar de ouvido. E aprendi a tocar, quase com perfeição, todas as músicas que minhas irmãs estudavam pela partitura,com aulas diariamente, das 13 às 14 horas. Eu me “babava” de inveja, mas não tinha coragem de reclamar. Só não entendia por que não me foi dado o direito de também estudar acordeon. Seria pecado ser caçula??? Mas isso não me impediu de aprender a tocar, mesmo de ouvido.

Conheço pessoas que só tem orelha. Mas tenho certeza de que, além de orelha, eu também tenho “ouvido”. E dei prova disso. Aprendi a tocar sozinha. Aliás, o Nordeste é berço de excelentes sanfoneiros, que aprenderam a tocar sozinhos, de ouvido. São coisas de Deus…

Certa vez, no Cinema Éden, do meu tio Paulo, foi organizado um “showmício”, em homenagem a um determinado candidato a governador do Estado do Rio Grande do Norte. Luiz Gadelha, conhecido político de Nova-Cruz e marido da minha tia Nazinha, foi o organizador. Pensando que eu também estudava acordeon, perguntou-me se podia incluir meu nome na pauta das atrações musicais que fariam parte do show. Eu disse que sim, só por danação, e que só não poderia levar a sanfona. A música que eu escolhi para tocar foi “E o Destino Desfolhou”, que minhas irmãs tocavam por partitura e eu aprendi “de ouvido”. Mas, na nossa casa, ninguém sabia disso.

Pois bem. No dia do “showmício”, o cinema do tio Paulo ficou lotado.

Luiz Gadelha, fazendo as vezes de apresentador, começou a anunciar diversos números artísticos. Houve poesias, cantorias, e chegou a minha vez de tocar. E ele anunciou:
“Ouviremos, agora, um número de acordeon!!! Com a garota Violante, a valsa “E O DESTINO DESFOLHOU”. Silêncio total…
Subi no palco pela entrada lateral e sentei-me em uma cadeira que já me esperava. Luiz Gadelha me acompanhou, trazendo a sanfona de um dos músicos e colocou-a sobre o meu colo.

Toquei calmamente, como se estivesse sozinha em casa. Não enxerguei ninguém na plateia. Nem meus pais, que estavam nas cadeiras da frente. O Mestre da Banda de Música , professor de acordeon das minhas irmãs, levantou-se e me acompanhou com o Saxofone, numa verdadeira apoteose interiorana. Sinal de que eu estava tocando bem. Só dei por mim, quando estrondaram os aplausos do “respeitável público”.

Desci do palco por onde eu tinha entrado e corri para junto de Dona Lia e Seu Francisco, que me abraçaram fervorosamente. Meu pai estava chorando, emocionado com a surpresa de me ver tocar, e ainda por cima, a música que ele adorava, “E O DESTINO DESFOLHOU”.

Minha mãe ainda estava tensa, com a surpresa de me ver subir ao palco e tocar, sem ainda ter sido aluna do Mestre da Banda de Música, como minhas duas irmãs.. Ela comentou que, ao ouvir Luiz Gadelha anunciar o meu nome, pensou que ele houvesse se confundido. Com certeza, quem iria apresentar o número de acordeon seria Ana ou Valéria, alunas do Mestre da Banda de Música .E quando me viu entrar no palco, com Luiz Gadelha atrás de mim trazendo uma sanfona, gelou… Esperou que a apresentação fosse um fracasso, coisa de menina danada. Mas foi um sucesso…

Dona Lia adorava contar essa história…

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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