E O SORRISO SE FOI –

Maria Goreth Bezerra Dias nasceu em Natal, no dia 05 de novembro de 1956. No dia 15 de junho de 1975, acrescentou o sobrenome Femenick ao seu nome. Faleceu no dia 08 de março de 2021, aos 64 anos. Suas cinzas foram lançadas ao mar em frente ao Forte dos Reis Magos, o principal monumento histórico do nosso Estado, objeto de suas últimas pesquisas, visando desenvolver um estudo cientifico, a ser publicado em uma revista que ela e umas colegas estavam projetando lançar, em setembro próximo.

Gorete Femenick era bacharel em Pedagogia, pela PUC-SP, e mestre em Psicopedagogia pela Faculdade Oswaldo Cruz, também de São Paulo. Sua dissertação abordou um tema, na época, ainda controverso: “As artes plásticas como instrumento de desenvolvimento cognitivo da criança”. Não por acaso ela era artista plástica, com uma produção intensa de pinturas, em vários estilos, que vão do figurativo ao impressionismo. De volta a Natal, fundou uma escola voltada para formação de crianças, o Instituto Educacional Femenick. Aqui termina a sua “descrição oficial”, profissional, se quiserem.

Todavia Goreth era mais do que isso. Junto com um grupo de amigas e amigos, contribuiu para amenizar as lacunas sociais de algumas famílias, aqui na região metropolitana. Lotava seu carro de alimentos, livros e peças de artesanato e os levava para doação em comunidades carentes de Macaíba e Ceará-Mirim. Aproveitava a oportunidade para ensinar elementos básicos de higiene, economia doméstica, alfabetização e aprendizagem. Dizia que essa era uma tarefa que Deus lhe tinha dado. Só suspendeu essas atividades quando a saúde não lhe permitia mais continuar.

Tivemos quase 46 anos de convivência, cumplicidade e, por que não, algumas divergências pontuais, como é comum em casais. De vez em quando me surpreendia com observações inusitadas. Estávamos subindo no elevador da Torre Eiffel, em Paris, quando ela, inopinadamente, disse que “bilhões de pessoas do mundo nunca sentiriam essa sensação histórica, pois nunca iriam a França, e muitos dos que iam somente viam a torre como um passeio turístico”. Uma vez, quando estávamos de férias nos Estados Unidos, um colega, professor da New York University, convidou-nos para visitar a Liberty Island, onde fica localizada a famosa Estátua da Liberdade. Goreth se recusou, dizendo que aquele era um monumento tendencioso. Significava a esperança de uma nova vida para os emigrantes brancos fugidos da Europa, em um país que, até recentemente, sacramentava o preconceito racial e a separação entre pretos e brancos.

Em São Paulo e aqui em Natal, andava com marmitas de comida no carro, para dar às famílias que pediam esmola nos semáforos. Em Catanduva, no interior de São Paulo, reunia crianças em uma praça da periferia, para ler livros infantis de Monteiro Lobado. Foi voluntária na AACD-SP e no GACC-RN. Na Vila de Ponta Negra, com um grupo de vizinhas e amigas, ensinava às crianças dançar “dança de roda” e a tocar flauta de sopro. Nunca quis que divulgassem o que ela e seu grupo faziam.

Em toda sua vida, uma coisa foi sempre presente: o seu sorriso. Essa foi a opinião unânime, foi o destaque entre as lamentações dos seus amigos nas redes sociais. Esses grupos eram de temas os mais variados: culinária, psicologia, religião, artesanato, bordado, ensino. Tenho revisto suas fotos em álbuns e nos nossos celulares. Em quase todas lá está, de formas as mais variadas, em momentos os mais diversos, o seu sorriso.

Uma outra faceta sua era o fascínio pelo mar. Adorava tomar banho de mar, até quando não podia mais. Então tínhamos que a acompanhar, seguindo seus passos lentos pela areia e amparando-a na água rasa, quando ela apanhava a água do mar com as mãos e molhava o rosto. Sempre sorrindo. Depois ia tomar um suco de maracujá, de graviola ou uma água de coco. Estava proibida de tomar refrigerantes, quaisquer que fossem.

Eram muitos os atributos de minha esposa. Até há bem pouco tempo ela era a revisora dos meus escritos. Livros, artigos acadêmicos, artigo de jornais, laudos de perícias judiciais e de auditoria contábeis tudo passava por seu crivo. Corrigia erros de português; tirava, substituía e acrescentava palavras, colocava as muitas virgulas que eu omitia (e ainda omito), e até discutia comigo a temática e o propósito da matéria. Era encrenqueira, como devem ser todos os bons “copy desk”. Hoje essa função é de um amigo que mora lá em Campinas-SP. Tudo vai e volta por e-mail.

O problema de amar alguém é sentir a presença da ausência do ente querido. Por mais que eu pense em Deus, quando abro a minha janela e vejo o sol ou a chuva, acho que Ele poderia ter esperado um pouco mais para levar a minha Goreth.

 

 

 

 

 

Tomislav R. Femenick – Jornalista, historiador e membro do  IHGRN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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