valerio mesquita

O empório do alto dos Guarapes, por integrar o município onde nasci, representa o mais vivo e belo trecho impressionista pela emoção histórica e estética que me desperta. Fascina-me saber, não por especulação, mas pela leitura de Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Itamar de Souza e tantos outros historiadores do passado e do presente, que descrevem a importância dos Guarapes no contexto econômico do Rio Grande do Norte. Dali, sob o comando e a visão de Fabrício Pedroza emanou uma luz interior, de intuição e penetração que edificou no século dezenove um sistema unificado de indústria, comércio e exportação. O monte fica ali em Mangabeira, de frente para a estrada e o rio Jundiaí, testemunhas permanentes do seu abandono. É quase uma província submersa de que nos fala com ternura e encantamento o ilustre macaibense Octacílio Alecrim. Um paraíso perdido, misterioso, altivo, que me infunde uma nostalgia infinita por conta do desprezo a que foi relegado.

Fatigado de tanto clamar em vão às autoridades públicas, há mais de dez anos, recebi novos alentos que reabriram meus olhos adormecidos de tantas promessas. Tenho informações de que a Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte é simpática a idéia de parceria do órgão com o governo estadual objetivando a restauração desse patrimônio histórico. Repita-se que a área desapropriada e tombada é do domínio público estatal. E que os projetos técnico e orçamentário foram elaborados pela Fundação José Augusto, ao tempo da gestão do escritor François Silvestre.

Revisito Octacílio Alecrim, no seu livro maior “Província Submersa”, página 129, para registrar a relevância e a perspectiva que detinha: “do embarcadouro de Guarapes, aonde antigamente chegavam barcaças para receber carregamentos de açúcar, mamona e algodão, vendidos para Recife”. Menciona, ainda, como “lugar do nascimento do meu pai, alguns anos depois do meado do século XIX, quando o porto, um dos três mais importantes da província imperial, servia de escoadouro a produção do Agreste e do Seridó”. E  prossegue  ao  seu  gosto literário: “a branca casa-grande de Guarapes, aonde a gente não ia por ser mal-assombrada. A alma do outro mundo que atemorizava os moradores da vizinhança era a sinistra mãe-da-lua, que nas noites de luar aparecia no alpendre da casa-grande lá do alto e dava prolongadas e estranhas gargalhadas, semelhantes a profundos lamentos de dor.

Entendo que, para se administrar uma cidade do porte de Macaíba, é preciso, antes de tudo, que se reveja e se redescubra os fundamentos e fatores de sua história. Não podem permanecer sepultados ou encobertos pelas areias do tempo as suas raízes. Assim como fizemos ressurgir o solar do Ferreiro Torto, hoje guardião e repositório das figuras e das coisas que esculpiram a vida do município e do estado, do mesmo modo, o empório dos Guarapes se transforme num museu da legenda do comércio e da indústria do Rio Grande do Norte. Que todos se irmanem nesse projeto dos Guarapes que exprime a saga de uma gente, de uma luta, da sua dor, da sua alegria, do seu triunfo, e que o esforço humano seja resgatado de vez, e nunca permaneça como um mero repouso contemplativo da paisagem.

 Valério Mesquita – Escritor e presidente do IHGRN  – [email protected]

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