É “OSSO” SER NORDESTINO –
Assim como acontece com o preconceito racial, escreveu não leu vem à baila a onda de intolerância contra o Nordeste e seus habitantes. Há anos convivemos com a pecha de fardo demasiadamente pesado para o Brasil. A ideia que se formou de o Nordeste ser considerado região problema no espaço brasileiro remonta do início do século XX, quando a industrialização do Sul coincidiu com a decadência econômica de áreas nordestinas.
O transcorrer das décadas somente consolidou o estigma de área populacional repulsiva, que produz apenas mão de obra para as demais regiões e necessita de constante ajuda governamental para sobreviver. Acontece que para impulsionar o processo de industrialização do Sul e do Sudeste a presença de nordestinos se fez fundamental e indispensável.
Dizer que trabalhadores do Nordeste ocupam vagas, de direito, pertencentes aos nativos do Sul Maravilha é pura balela. Se houvesse por lá gente disposta a trabalhar com a garra característica de nossos irmãos de cá, não empregariam tantos “cabeças chatas”. Nem a pau!
Em São Paulo a construção civil estagnaria sem a presença de nordestinos. No Rio de Janeiro, nenhum restaurante funcionaria com a ausência de cearenses – faltariam garçons e chefes de cozinha.
Também estaria comprometida a manutenção de edifícios e condomínios se todos os porteiros, eletricistas, e peões para serviços gerais voltassem para a Paraíba. E o que dizer de Brasília sem o candango? No Distrito Federal, de cada cinco taxistas um é piauiense; os demais nasceram em outros estados do Nordeste.
Os programas Bolsas serviram de argumentação para corroborar a conceituação discriminatória, pelo fato de o Norte e o Nordeste do país contabilizarem o maior número de beneficiários do “mecanismo condicional de transferência de recursos.”
Num passado não tão distante estava em voga a onda separatista. Falava-se nessa possibilidade com tanta propriedade, que se antevia a certeza de estarem sanados todos os males do país com o desligamento do Nordeste do mapa do Brasil. É difícil acreditar que um complexo regional composto de nove estados, correspondendo a 20% da área territorial e a 27,8% da população – a segunda região mais populosa da nação -, não sobrevivesse uma vez separado.
A atitude preconceituosa se manifesta de forma acintosa ou velada. A primeira, com agressões físicas, é típica de grupos como os “skinheads” – marmanjos violentos de cabeças raspadas. Mas, a discriminação de efeito devastador é a dissimulada. Aquela atitude humilhante, debochada, que nega a vaga de emprego, que põe empecilho a trabalho honesto para nordestino em estados do Sul.
O indicador predominante para acionar o processo discriminatório é o sotaque. Pior se vier acompanhado de verbosidade típica da região, engolindo sílabas e atropelando a ortoépia das palavras.
Falar arre-égua, fuxico, oxente, vôte, vixe, credo, aperreio, arretado, pereba, varapau, pipoco, estribado, arriata, fuleiro, sustança, avexado, murrinha, chumbrega ou suvaco é cavar fosso intransponível em qualquer pretensão de emprego, em departamentos de recursos humanos daquelas plagas.
É comum ver conterrâneos envergonhados do rincão natal, tentando esconder as origens disfarçando o sotaque numa imitação canhestra do falar chiado de vogais fechadas. Eis aqui um brasileiro que não maldiz a nordestinidade. Se minha naturalidade incomodar compatriotas de outras regiões do país, de cócoras, e no mais autêntico nordestinez, obro na cabeça de todos eles.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor