É SOBRE AQUELES DIAS EM QUE NÃO SE DIZ NADA COM NADA… – Flávia Arruda

É SOBRE AQUELES DIAS EM QUE NÃO SE DIZ NADA COM NADA… –

 Refletindo sobre os lapsos temporais entre a luz e a sombra, no cruzamento onde o real se encontra com o imaginário, creio que seja lá onde habita a essência da escrita metafísica, aquela forma transcendental e concreta capaz de estornar e regurgitar os pensamentos e dúvidas mais peculiares da natureza humana. Nesses rascunhos nascem a subjetividade que se transforma em um espelho reverso, refletindo não apenas o que somos, mas também o que ainda estamos por descobrir.

Hoje, ao me sentar para escrever, senti-me convidada a mergulhar num labirinto de paradoxos e dicotomias, um certo convite a explorar as diversas camadas da minha existência, que frequentemente escapam à compreensão das coisas normais. Um turbilhão de pensamentos e incógnitas vieram à tona. Não sei explicar, ao certo, o que me causou tamanha estranheza diante de coisas tão óbvias – ou não. Hoje é um daqueles dias em que não se pensa nada com nada e que não se diz nada com nada.

Entendo que escrever é um ato de busca pela libertação. Um prazer inexorável para aqueles que assim o sentem e necessitam. Um tipo de vício. E assim, saio em busca de palavras que possam capturar a essência fugidia da experiência humana, da minha própria vivência. No entanto, a natureza da linguagem é incontestavelmente paradoxal: por um lado, ela nos permite expressar o indescritível; por outro, é sempre insuficiente para abarcar a vastidão do que sentimos. Para mim, a subjetividade se compara a um filtro, moldando as percepções e, consequentemente, a escrita.

De fato, a vida é repleta de opostos: alegria e tristeza, amor e solidão, vida e morte. Ao refletir sobre esses contrastes, percebo que cada sentimento traz consigo seu oposto, como sombras que dançam sob a luz do entendimento. A alegria é frequentemente tingida pela lembrança da dor, enquanto a solidão pode, paradoxalmente, ser um terreno fértil para o autoconhecimento e a criatividade. Assim, minha escrita se torna um espaço para explorar essas dicotomias, onde meus vocábulos se entrelaçam em um diálogo silencioso entre o que é e o que poderia ser; o que deixou de ser ou que nunca foi, e pior, do que será ou nunca poderá ser.

Pois bem, a subjetividade pode ser a chave que abre a porta para essa viagem metafísica. Cada um de nós carrega um universo interno, repleto de histórias, memórias e sonhos que moldam nossa visão de mundo. Ao escrever, busco não apenas transmitir uma experiência, mas também compartilhar uma maneira de enxergar a vida. Através de metáforas e imagens, com uma visão míope, buscar o holístico e improvável, com isso, convido o leitor mais atento a mergulhar por esse mundo próprio, particular e bem meu, onde a realidade se confunde com a imaginação e a razão se encontra com a intuição.

Sinto que é nessa impalpabilidade que se apresenta um caminho para a sublimidade, que nas entranhas do meu ser, por vezes, encontro as minhas verdades universais. Quando exploro minhas próprias contradições e questionamentos, percebo que, em última análise, sou parte de um mesmo tecido existencial costurado pelo avesso, criando uma bela colcha humana de retalhos. Tenho a leve impressão que essas inquietações devem ressoar, também, em outras almas, criando uma sinfonia de experiências compartilhadas. A escrita, então, se transforma em um ato de comunhão e salvação, onde o individual se torna coletivo e o pessoal se torna universal.

Nesse fazer diário, da escrita metafísica, as dicotomias da vida se tornam atores principais. Pensando melhor, a luz e a escuridão não são inimigas, mas aliadas em uma dança eterna, num vai-e-vem repleto de diferenças. A busca por aquilo que realmente faça sentido é, sem dúvidas, acompanhada pela dúvida, e aquela certeza antes incontestável, pode se esvair na bruma da incerteza. Nesse emaranhado de sentimentos e ideias a escrita encontra seu verdadeiro vigor, a força que vem sobrepujando gerações, mantendo-se viva, imortal.

Quando escrevo sobre o amor, por exemplo, não posso ignorar a possibilidade da perda. Cada gesto de carinho é, ao mesmo tempo, uma afirmação e um risco. Da mesma forma, ao abordar a morte, percebo que ela não é apenas um fim, mas também uma transformação, um renascimento em outra forma. Essas dicotomias, longe de serem obstáculos, são as portas que se abrem para uma compreensão mais profunda da vida.

Meus rabiscos nada mais são que um fio invisível que conecta a minha experiência a condição humana, lembrando-me o quanto é simples viver, apesar de toda essa confusão interna em compreender os paradoxos e as dualidades da vida, e, assim descubro que a escrita nada mais é do que uma forma de me encontrar ao anoitecer e me perder a cada amanhecer. É um modo, talvez poético, de me olhar para dentro e para fora, por dentro e por fora, revirando-me pelos lados inversos da inquietude. Nessa busca incessante sigo, pelas respostas que, muitas vezes, não são respostas no sentido convencional, mas sim novas perguntas que me levam a explorar ainda mais as certezas incertas.

Neste espaço de reflexão, onde a escrita me dá voz, as palavras dançam entre o palpável e o irreal, desafio o nobre leitor a se perder e se encontrar. Porque, no final, essa coisa metafísica/transcendental é nada mais que o reflexo não apenas da realidade, mas também dos sonhos, dos medos e das esperanças que nos tornam humanos.

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim, crônicasflaviaarruda@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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