É SOBRE CHEIROS… –

Outro dia eu estava caminhando em uma praça próxima à minha casa, nisso, passa uma moça por mim. Confesso que não reparei em sua forma física, pois, algo mais transcendental despertou minha atenção e me fez mergulhar no universo infinito dos meus pensamentos: senti o seu perfume. Interessante como aquele aroma me ascendeu para as memórias afetivas, disparando o gatilho das lembranças, e eu pude reconhecer aquela fragrância: era o cheiro da quimera.

As lembranças me invadiram, a saudade me fez companhia durante todo o resto da caminhada. Desci a rua, fui empurrada ladeira abaixo nas minhas recordações, andava meio apressada por causa da hora tardia, das ruas quase inabitadas de gentileza. O vento soprou em minha nuca, senti exalar o meu próprio cheiro… assustei-me, o meu cheiro era aquele cheiro. Como assim? Busquei explicação para aquilo, sem muito sucesso.

Como poderia acontecer algo assim? Pensei nas essências de jasmim; não, não era o jasmim nem o almíscar, nem a essência amadeirada que me fazia sentir o passado presente, de tal forma que nem mesmo os cítricos remetiam às lembranças, cheiros e gostos tão nitidamente. Custei a entender e a aceitar que os cheiros sentidos e produzidos pelas mais diversas fragrâncias eram apenas condutores indiretos, pois a minha alma estava encharcada por um mágico tipo de bem-querer.

Lembrei-me de o último abraço dado/recebido, um abraço apertado de despedida. Só agora me dei conta daquela força e calor que nos envolviam, as palavras ocultas estavam pulsando nos corações colados pela pressão dos corpos. Só agora eu entendi que naquele abraço havia a fusão daqueles corpos e almas. Naquele abraço metafísico, suprassensível, eu senti os corpos e almas penetrarem-se, uníssonos, cheios de gostos e cheiros, com todos os sentidos e sentimentos que podiam existir, fundiram-se num só corpo e alma.

Foi uma entrega absurda e absoluta. Hoje eu compreendo por que sinto os cheiros, vez por outra, pairando pelo ar. Sim, sinto o cheiro por estar em mim, por fazer parte da minha história, por estar cravado nas mais expressivas lembranças, pois, através deles, dos cheiros, me conecto com a presença viva e intensa de um tempo pausado.

O pacto foi selado com os cheiros da alma, isto o torna eterno.

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]

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