ENSABOANDO MELÕES –

Na minha juventude, nas Rocas, os vizinhos da Vila Ferroviária costumavam fazer gozações e gracejos com uma senhora que, fora dos costumes da época, teimava em só consumir as frutas e legumes que comprava, depois de submetê-los a um rigoroso e sagrado ritual de lavagem, com água e sabão.  Os seus cuidados eram vistos como exagero e desperdício. Para os outros, não haveria necessidade de tamanho zelo e, decerto, ela só fazia isso por puro exibicionismo, já que Dona Isabel gostava de apregoar com orgulho e vaidade esses hábitos de higiene.

Como adulto, conheci pessoas que diferenciavam das outras por motivos semelhantes. Mantive amizade superficial com Alcione Ribeiro, já quase um ancião, cujas características eram parecidas com as da minha antiga vizinha. Seu Alcione nunca abria mão dos seus prosaicos e constantes hábitos de lavar as mãos sempre que precisava usá-las em público. Recusava apertos de mão e quando era levado ao cumprimento, além de água e sabão, utilizava-se do álcool abundante que esfregava no corpo até a altura do antebraço, prevenindo-se de qualquer contágio.

Os escrúpulos desses dois personagens, vistos no passado como intolerância ou meros exageros, leva-nos a refletir sobre os atuais tempos de precauções e cuidados sanitários. E somos flagrados em práticas que, se ontem eram risíveis, ridículas, hoje se revelam obrigatórias e imprescindíveis para a manutenção da nossa saúde. A higiene – se não era – tornou-se elemento fundamental para o combate aos males que estão nos incomodando.

Sempre fui uma pessoa higiênica, dentro dos parâmetros que fui levado a adotar na minha formação pessoal, familiar e social. Agora, como tantos outros, encontro-me também envolvido pela onda dos cuidados extremos e das recomendações oficiais para enfrentamento da nova mazela. Não há por que reclamar. Se no início da tal pandemia e do confinamento os hábitos eram penosos e desagradáveis, agora virou rotina.

A necessidade de se fazer compras, ir ao supermercado e outras atividades necessárias, quando não feitas on line, virtualmente, resultaram em um ritual que começa na preparação para a saída, a colocação da máscara, a roupa e calçado adequados, às vezes luvas, chapéu, do porte de um depósito de álcool 70 graus, enfim, de todo o aparato a que nos habituamos para uma saída de casa. No início, nas vezes em que precisei sair, via-me, ao espelho, como um autêntico papangu de carnaval, tal a quantidade de elementos que usava.

Na recepção das compras, água, sabão, álcool, roupas descartadas, sapatos isolados, embalagens freneticamente higienizadas, produtos diligentemente lavados, frutas, legumes devidamente ensaboados. Uma operação de guerra para admitir na sua casa a entrada de tantos elementos suspeitos.

Mas estou conformado e consciente de que tudo isso é necessário e justo. Dizem que, pelo menos os momentos mais duros estão perto de passar. Como todos, anseio ardentemente a despedida desse e de tantos outros males que nos afligem.

Por ora, vou, da melhor maneira, obedecendo aos ditos protocolos de segurança, e aos rituais recentemente aprovados e respeitados, lembrando e agradecendo ao meu amigo, já falecido, seu Alcione Ribeiro, e seu outrora exagerado zelo com a higiene. De certa forma, reverencio, com tardio respeito, a minha escrupulosa vizinha, dona Bebé, enquanto estou escovando os meus mamões, esfregando mangas, tomates e maçãs e, sôfrega e paranoicamente, ensaboando melões.

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais

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