ENTRE O TRAVESSÃO E O PONTO FINAL –

Hoje sentei cedo em frente ao computador. Todos dormiam e minha companheira foi Pretinha, nossa cachorrinha, respondendo a algum latido que ouvia lá fora. Lia alguns e-mails e me peguei pensando na pontuação. Na infância era louca por revistas em quadrinhos. Mamãe é responsável por isso. Luluzinha, Mickey, Recruta Zero, Mônica. Sempre me incomodava o fato de não usarem ponto final. Tinha a exclamação, a interrogação e as reticências.

A exclamação me encantou no primeiro momento. Era para mim nítida a sensação de transmitir emoção usando um simples traço vertical e um pontinho abaixo. Surpresa! Felicidade! Muito fácil explicar o que estava sentindo. Depois fiquei curiosa pela interrogação, principalmente na adolescência. Acredito que não só eu! A interrogação me acompanhou (e acompanha) por várias vezes em minha vida. Quantas dúvidas neste período de incertezas, quantos medos e dificuldades passam por cada cabeça.

Vi hoje uma postagem: “Dizem que a angústia aproxima as pessoas.” – C S Lewis. Compartilho deste pensamento. E, para mim, a angústia é recheada de pontos de interrogação, não é assim? A interrogação tem momentos mais brutais ou cruéis. Qual caminho escolher? Será o momento de parar? E este cabo de  guarda-chuva de cabeça para baixo vem e vai ao longo dos dias. Às vezes me permite decidir algo. Nem sempre tenho essa chance. As respostas aparecem em certas circunstâncias de forma repentina. Segue a vida, segue o jogo.

Aí vem o ponto final. Por que não usam ponto final nas histórias em quadrinhos? Pensei nisso por tantas vezes. Acho que é para não ter fim mesmo. A vida adulta me fez por inúmeros pontos finais onde nem sempre queria. Relacionamentos, planos, sonhos. Agora, olhando de minha janela para as janelas dos prédios vizinhos (hábito que criei nesta quarentena: olhar o acender e apagar das luzes dos apartamentos ao redor e imaginar se todos estão bem) penso em quantos pontos finais aconteceram.

Ah! Tínhamos a certeza de que nossos planos eram definitivos, nossas escolhas eram certas, nossos sonhos invioláveis. E, agora, percebemos que uma exclamação pode se transformar num ponto final antes mesmo de entendermos o significado da frase.

Nem falarei sobre o travessão, já que muitos de nós esquecemos como conversar! Tão simples tão comum. Entretanto, cada um acredita que suas ‘exclamações’ e ‘interrogações’ são mais importantes que as do outro e as conversas acabam, definitivamente, nos pontos finais.

Por isso, estou LOUCAMENTE APAIXONADA PELAS RETICÊNCIAS… Transformei em minha cabeça o ponto final (sozinho, definitivo, sem volta, duro e firme na sua decisão) em três lindos pontinhos, um seguido do outro. Eles não se separam, assim como o amor que sentimos pelos nossos… Eles permitem que os planos sejam alterados, que os sonhos continuem sendo SONHOS…

Permitem que a vida siga seu rumo de forma leve, com possibilidade de reviravoltas, de discursos inflamados sobre amor, sobre lutas e vitórias, sobre abraços recolhidos ansiosos por saírem, acharem seus donos… Amo as reticências e todas as possibilidades que ela me dá. E em dias de desesperança substituo fácil e francamente meus pontos finais por reticências que me permitam sonhar…

 

BÁRBARA SEABRA – Cirurgiã-dentista, professora universitária

 

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *