Recebi de uma grande amiga, a geriatra Claudia Burlá, artigo publicado pela PNAS Nexus, uma das revistas científicas mais citadas do mundo, que mostra como, mesmo entre especialistas, falta consenso a respeito de conceitos fundamentais sobre o envelhecimento.
Os cerca de 80 autores realizaram uma pesquisa que apontou a discordância dos profissionais que trabalham nessa área sobre questões como: o que é o envelhecimento; quando começa e quais são as suas causas; o que é rejuvenescimento. O interessante é que nenhuma resposta conseguiu ser defendida pela maioria dos entrevistados.
Vacinas e tratamentos mudaram o cenário da saúde nos últimos 200 anos. Embora ainda não seja possível prevenir doenças como o câncer, seus mecanismos são bem conhecidos. No entanto, em relação ao envelhecimento, não há evidências irrefutáveis das suas causas exatas, nem terapias efetivas que retardem ou revertam o processo em humanos.
Para entender como pensam os cientistas que estudam o assunto, foram ouvidos os participantes da Conferência de Pesquisa dos Sistemas de Envelhecimento 2022. “Como você define o que é envelhecimento” era a primeira pergunta e a resposta mais comum, dada por 30% dos entrevistados, era de que se tratava da perda das funções ao longo do tempo. Outra definição recorrente foi o acúmulo de estragos e mudanças prejudiciais. Também foram citados: declínio sistêmico, físico ou de saúde na velhice, aumento da morbidade com a idade e perda de homeostase (manutenção do equilíbrio).
A diversidade foi considerada expressiva porque pode estar associada a diferentes abordagens e estratégias para lidar com o processo, nem sempre as mais adequadas para os pacientes.
Em relação à segunda indagação – o que motiva o envelhecimento – 30% cravaram danos e alterações deletérias, mas foram citados fatores sistêmicos, desregulação e declínio na capacidade regenerativa, sendo que 15% utilizaram apenas uma palavra para indicar o que provoca o envelhecimento (entropia, idade, ambiente etc.). Sobre rejuvenescimento, uma série de definições ainda mais ampla: mudança para uma condição mais jovem e saudável; restauração de um estado de saúde; diminuição da idade biológica; reversão da morbidade e mortalidade.
Tampouco havia consenso sobre uma polêmica que vem dividindo cientistas: o envelhecimento deve ser encarado – e combatido – como uma doença?
Claro que há pensamentos convergentes, como a ideia de que o acúmulo de danos vai afetando o organismo; a possibilidade de aceleração ou retardamento do processo; a diferença entre idade cronológica (a idade de cada um) e biológica (que pode ser superior ou inferior à cronológica, dependendo do quadro de saúde).
E por que é importante que os especialistas se unam em torno de um consenso sobre o tema?
Foi o que perguntei à geriatra Claudia Burlá, que também atua na área de cuidados paliativos. Qual seria a abordagem correta diante da enorme diversidade de velhices?
“O envelhecimento é heterogêneo até num mesmo organismo: o coração pode estar mais envelhecido enquanto o cérebro está pleno. Há indivíduos com 65 anos com sinais de um processo neurodegenerativo, mas com competência cardiopulmonar. Portanto, o profissional que vai lidar com o idoso tem que entender as diversas demandas existentes, porque não há protocolo que dê conta de tantas questões, não somente físicas, mas também das esferas psicossocial e espiritual. O fundamental é uma abordagem de cuidado compartilhado que seja abrangente”, ensina.
Como resolver isso? Um exemplo comum é o quadro de polifarmácia: idosos com 80 ou 90 anos tomando 20 medicamentos, prescritos por diferentes especialistas que nem sequer conversaram sobre a condição do paciente. “A possibilidade de iatrogenia, a doença causada por medicamentos – ou pela interação entre eles – é enorme. Enxergo o geriatra como essa ponte para se chegar a uma prescrição coerente para as necessidades da pessoa. Como numa orquestra, os instrumentos são todos espetaculares, mas, sem a regência de um maestro, o concerto será um desastre”, finaliza.
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