Outro dia ouvi bem quando um empresário, numa roda de conversa, durante um velório, saiu lá das suas preocupações naturais para dizer: nós aprendemos com os políticos. Ele tentava rebater a estocada anterior quando viu a sua classe ser acusada de também por um pé de cada lado da política e se manter no poder qualquer que seja o resultado das urnas. Nem notou, ao confessar o aprendizado, que ali estava talvez o traço mais destruidor de uma sociedade sem consciência ideológica nenhuma.
Talvez por ser um simples leitor de Mário de Andrade, e ter como referencial certos clichês literários, o fato é que a declaração do empresário, mesmo sem malícia, acabou sendo o retrato fiel daquilo que o escritor modernista percebeu ao criar seu herói Macunaíma. Ele viu que não seria justo o brasileiro ser representado pelos outros dois tipos de heróis, o bravo e patriótico de verdade, e o Jeca Tatu, um herói caipira, raquítico e sem vigor, sem uma voz firme, criado por Monteiro Lobato.
Quem olhar Macunaíma mais de perto, e com certo apuro, vai notar que ele acaba sendo um ser que embora nascido da criação literária é a representação perfeita do que somos. Síntese perfeita d rodos os tipos nascidos da esperteza. O herói sem caráter, nascido no fundo do mato, vive a realidade política brasileira todas as vezes que um mais sabido põe um pé aqui e outro ali, num lado e outro, no governo e na oposição, para depois juntá-los num lado só, contados os votos e conhecido o vitorioso.
Depois, no caso brasileiro, e na prática, na ideologia ou na sua ausência, não há essa história de empresários de um lado e políticos do outro. Ideologicamente são iguais na medida em que a falta de caráter está nas falsas elites que se locupletam no acesso fácil ao poder. O caso Petrobrás é bem a prova dessa esperteza. Desta vez, não estão presos apenas os políticos e assessores, mas alguns dos maiores executivos do país, representantes do nosso capitalismo também mambembe e macunaímico.
É de uma cretinice espantosa a falácia dos empresários que, sem nenhum caráter, tentam explicar as mãos sujas como personagens diretos da corrupção, fixando no outro, no caso os diretores da estatal e nos políticos, toda a culpa. Para eles, é fácil argumentar que se não pagassem as propinas não teriam as obras. Ora, se o capitalismo no Brasil fosse exercido com convicção, os empresários jamais aceitariam conviver com a extorsão. A proposta seria denunciada e o jogo jogado com lisura.
A corrupção é hermafrodita. Não nasce na esfera pública ou privada, isoladamente. Nasce da conjunção carnal dos interesses. A origem da fortuna no Brasil, com as exceções, surge quase sempre no trato habilidoso com a esfera pública. Na prestação de serviços, concessões e benefícios. Mesmo agora, em tempos mais recentes, quando empresários compram prestígio financiando seus mandatos ou aos políticos. Sempre com um pé no céu que proclamam e o outro no inferno que dizem condenar.
Vicente Serejo é jornalista e escritor