ESCRAVOS BRANCOS NO BRASIL COLÔNIA –
Portugal não era, nos séculos XVI e XVII, início do período dos descobrimentos e da colonização brasileira, um país com grandes pressões ou expressões demográficas. Em 1527 a população de Portugal era relativamente reduzida, algo em torno de um milhão e cem mil habitantes. Somente poucas cidades (Lisboa, por exemplo) tinham problemas que poderíamos classificar como excedente populacional. Em algumas regiões o problema era justamente o contrário: havia muitas terras agricultáveis não aproveitadas por escassez de mão de obra.
Todavia, tinha-se que povoar o Brasil, se desejasse garantir sua posse, disputada por franceses, holandeses, ingleses e espanhóis. A primeira solução encontrada foi o degredo. Como o rigor das leis e ordenações reais dava à coroa portuguesa meios para prender qualquer pessoa, por pequenos e insignificantes que fossem seus delitos, o degredo passou a ser imposto por qualquer crime: assassinato, roubo, desrespeito político ou religioso, alcovitice, preguiça, abraçar e beijar, adivinhar, lançar sortes e outros crimes menores. Porém apareceu um outro problema: a maioria dos degredados era formada por homens e perderiam seus vínculos com a metrópole caso se unissem a mulheres nativas, as índias, de forma duradoura. Mais uma vez a coroa foi industriosa na solução do problema e para cá remeteu “mulheres, cuja vida anterior não constituía, por certo, o fundamento mais seguro de uma sólida vida familiar”. No século XVIII os degradados e ciganos de Portugal eram uma importante fonte de mão de obra para algumas regiões do Brasil (BOXER, 1977; LARA, 1999, 2000).
Além dos degredados, o Brasil também contou com outras fontes de mão de obra branca, para trabalho compulsório. Nos séculos XVIII e XIX, muitos portugueses do norte de Portugal, do norte da África, dos Açores e de outras regiões da metrópole bem como de outras colônias lusitanas, vieram para o Brasil mediante contrato de servidão temporária. Esse sistema subsistiu até após a abolição da escravidão negra no Brasil, quando “os plantadores brasileiros ‘contrataram’ então trabalhadores portugueses em condições muito semelhantes às dos Negros […]. Isso é confirmado pelo aumento bastante sensível da emigração portuguesa para o Brasil a partir de 1850. Esses portugueses […] se tinham endividado para toda a vida com o seu patrão para pagarem a viagem, substituindo os Negros nas plantações e levavam exatamente o mesmo tipo de existência”. Também nas mesmas condições vieram muitos colonos alemães para o Brasil (PINTO e CARREIRA, 1981). Foram trazidos em navios abarrotados e, na chegada, os que não tinham contratos eram “vendidos” a quem pagasse as suas despesas. Geralmente iam trabalhar nas fazendas de café, onde ficavam nas mesmas senzalas destinadas aos escravos negros e trabalhavam em condições iguais às deles. Essa servidão durava, em média, dois anos, durante os quais trabalhavam sem remuneração, recebendo apenas a comida, o vestuário e a habitação, após o que, durante mais um ano, recebiam um pequeno salário, menor do que o corrente na população livre, para o mesmo serviço (GORENDER, 1978). Segundo o historiador Cornelio Ch Goslinga (1983), quando expulsos do Brasil, alguns holandeses capturaram cerca de cinquenta portugueses residentes no Maranhão e os venderam em Barbados, como escravos.
A escravidão de europeus não era apenas um “desvio português”. Por exemplo, súditos ingleses simplesmente eram sequestrados, vítimas de atos violentos ou de vilania, empregados corriqueiramente. “Os adultos eram atraídos com bebidas, as crianças engabeladas com doces(…), maridos eram induzidos a abandonar suas esposas; as esposas, seus maridos; aprendizes, seus mestres, enquanto criminosos procurados encontravam nos navios de transporte [para a América] um refúgio das armas da lei”. Também foi comum a venda de crianças por seus parentes (ERIC WILLIAMS, 1975).
*Publicado originalmente em Tribuna do Norte. Natal, 05 nov. 2022
Tomislav R. Femenick – Historiador, membro do IHGRN