ESSES DEFENSORES –

Por esses dias, ao tratar do romance de “O dia do Chacal” (“The Day of the Jackal”, 1971), do inglês Frederick Forsyth, mencionei o terrorista venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, apelidado de “Carlos, o Chacal”, responsável por uma série de assassinatos e atentados terroristas nos anos 1970 e 1980, inclusive na França. Carlos, o Chacal, foi durante um bom tempo um dos criminosos internacionais mais procurados. Foi finalmente capturado no Sudão e transferido para a França, onde, julgado, atualmente cumpre várias penas de prisão perpétua.

Vou aproveitar essa deixa do caso de Carlos, o Chacal, para falar de advogados que se notabilizam por defender criminosos que, para muitos de nós, seriam “indefensáveis”.

Começo precisamente por Jacques Vergès (1925-2013), advogado francês, vietnamita e argelino, que, na França, patrocinou a defesa do infame Chacal. A vida de Vergès é cheia de contradições, para dizer o mínimo. Nobremente, durante a Segunda Guerra Mundial, ele participou da resistência francesa. Mas, já durante a Guerra de Independência da Argélia, fez a defesa dos militantes do Front de Libération Nationale – FLN, acusados de terrorismo contra civis franceses. Embora também defensor de causas nobres – crianças muçulmanas que desejavam  usar véus na escola, pessoas que foram contaminadas pelo vírus da AIDS a partir de transfusão de sangue e prostitutas que processavam seus cafetões pela remuneração não paga (todo trabalhador merece ser pago, claro), entre outros casos –, Vergès verdadeiramente se notabilizou pela sua defesa de ditadores, criminosos de guerra, terroristas e assassinos em série, tais como Pol Pot, líder do Khmer Vermelho e assassino de milhões no Camboja, Klaus Barbie, criminoso nazista e dito o “Carniceiro de Lyon” e, como já sabido, o nosso Carlos, o Chachal. De Vergès, adquiri, já faz algum tempo, o seu “Journal: La passion de défendre” (Éditions du Rocher, 2008), livro/diário no qual podemos encontrar um pouco de “la vérité sur le monstre”. E, sobre Vergès, há especialmente o filme biográfico “O Advogado do Terror” (“L’Avocat de la terreur”, 2007), de Barbet Schroeder, que apresenta um panorama filosófico, psicológico e profissional do seu protagonista, além dos contextos das defesas dos seus infames clientes. Acho que valem a pena.

Provavelmente mais famoso – e certamente menos controverso – é o caso/carreira do grande advogado estadunidense Clarence Darrow (1857-1938). Nascido em Ohio, filho de pais ativistas do abolicionismo e do feminismo, muito jovem Darrow cursou direito. Aos 21 anos, já estava advogando. Envolveu-se na política. Foi em Chicago que entrou na advocacia de vez. Trabalhou como advogado para a municipalidade e para gigantes corporativas. Mas logo ele mudou de lado ou “cruzou a linha”, como anota Robert Hockett em seu “Little Book of Big Ideas – Law” (A & C Black Publishers Ltd., 2009). Darrow foi ser advogado de sindicatos, de trabalhadores e de muitas causas e clientes impopulares América afora. Certamente a atuação mais inspiradora de Darrow se deu no “Julgamento do Macaco”: em 1925, ele defendeu John Thomas Scope, professor na pequena cidade de Dayton, no Tennesse, processado criminalmente por haver infringido uma lei estadual que proibia o ensinamento da teoria da evolução nas escolas. Entretanto, já em 1894, Darrow representou Patrick Eugene Prendergast, réu confesso do assassinato do prefeito de Chicago, Carter Harrison. Outro caso célebre foi o dos irmãos McNamara, John J. e James B., que, em 1910, em meio a uma luta trabalhista, explodiram uma bomba no prédio do Los Angeles Times, o que redundou em dezenas de vítimas fatais. Ele livrou seus clientes da pena de morte. Famosíssimo é o caso Leopold/Loeb (também apelidado de “O julgamento do século”), de 1924, no qual um Darrow já mais maduro faz a defesa dos “infames” Nathan Freudenthal Leopold Jr. e Richard Albert Loeb, estudantes da Universidade de Chicago, que assassinaram o garoto Bobby Franks apenas porque queriam cometer um “crime perfeito”. Também conseguiu livrar os autores desse “festim diabólico” da pena de morte.

Bom, todos nós, do mundo jurídico, conhecemos profissionais do direito que, seja por acreditarem na inocência do seu cliente, seja para obter publicidade para a sua banca ou mesmo apenas por uma boa grana, defendem ou já defenderam casos ou pessoas “indefensáveis”. Tudo em menor escala, evidentemente, se comparado com os Chacais da vida. É do jogo do direito. No mais, como diz Demétrio Sena, no seu “Direito é esquerda”, “Todos têm direito a defesa. Merecendo ou não, todos têm”.

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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