ESTADO DE (DES) GRAÇA –
A onda de mediocridade que assola o país, onde bandidos e mocinhos se misturam em suas versões de colarinho branco e de autoridade pública, desmotiva o sentimento de cidadania e favorece um estado depressivo para quem ainda nutre alguma esperança de ver o país alcançar o futuro ou tomar algum rumo, sem grandes ares de prosperidade. Afinal nossos timoneiros são mais fracos do que caldo de batata e mais falsos do que as afirmativas que defendem. É degradante conviver com um Estado sem escrúpulos, muitos poderosos e pouca noção de caminho.
Assim é o nosso Brasil real, cotidiano, banal, mas, por acaso, ao navegar pelo portal UOL, em sua página de entrada (postagem em 10.11.2016, 20:00 horas) duas manchetes me chamaram a atenção: a Presidente do Supremo Tribunal Federal Carmem Lúcia, talvez a única líder que nos devolveu alguma autoestima, afirmou que um país onde o custo de um presidiário é maior do que a de um estudante, alguma coisa deve está errada. A Ministra foi cautelosa em caprichar no “alguma coisa”. Na verdade tudo está errado e ela e todos os demais presidentes de poderes sabem, mas, por enquanto, só ela teve a coragem de questionar a espúria realidade brasileira que perpassa o limite da dignidade institucional.
Outra manchete, sem qualquer relação com a primeira, vinda de outro contexto, expressava que em recente pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), apenas 29% da população confiava na justiça. No ocaso institucional em que vivemos, tão sem esperança, as manchetes se casam perfeitamente. Tudo está tão errado com a justiça brasileira que a sociedade pouco confia nela e, pior, com todos os motivos possíveis e imagináveis.
Analisemos o curto espaço de um mês. Quais fatos se sobressaíram e adentraram os lares do Brasil: invasões de escolas, com alguns episódios fatais, e tudo pareceu normal, normalíssimo. Nenhuma autoridade se insurgiu contra os fatos, que continuam a frequentar as cenas da mediocridade conjuntural brasileira. Se o direito constitucional a educação pode ser subvertido por invasões, não importam os motivos, alguma coisa (mais que o custo benefício presidiário/aluno) está errada e muito errada e o erro já persevera a algumas décadas- a crescente leniência do Estado com protestos despropositados e tendentes a anarquia. As escusas motivações de uns (não tornadas públicas de forma inteligível) agridem frontalmente o direito de outros, direitos constitucionais, e tudo ocorre dentro de um quadro de total apatia institucional.
Uma escola pode, a qualquer momento, ser invadida, saqueada, aviltada, que tudo está sobre a proteção do Estado. Ninguém arvora para si a condição de responsável. Somos um Estado de irresponsáveis. Não me refiro ao direito à liberdade de expressão ou a presença ou não de motivação para o protesto, mas a forma. Não se reivindica um direito, por mais justo que venha ser, ultrajando outro. O Estado brasileiro está acéfalo e as autoridades anuladas por inexplicável abstinência de moralidade e disciplina e os exemplos vêm de cima.
Ex-presidentes, presidentes, parlamentares, ministros, autoridades de todos os níveis e esferas, agridem diariamente a cidadania com notícias de desvios de recursos públicos bilionários e fica o dito pelo não dito. Roubar pode e cabe ao cidadão à obrigação de pagar os meliantes que, descaradamente, cobram duas vezes. A primeira para pagar o Estado mais caro do mundo, primor de regalias e privilégios e sem qualquer serventia. A segunda, típica de um Estado sem modelo, na usurpação dos parcos direitos que imaginava ter. É fácil defender uma medida restritiva de direitos e deixar jorrar, em manso leito (e sem pudor), os recursos públicos, como se a rês pública fossem parte do rebanho das autoridades, que custam ao cidadão uma derrama nos impostos e a morte da cidadania; e, ademais, a despropositada roda da fortuna em que se tornou o Estado para o bem de alguns, muito poucos, mas que condenam a sociedade ao atraso institucional, que mata milhares de brasileiros pela fome e pela falta de assistência, diária e silentemente, um grito surdo, um urro sem eco das entranhas de uma sociedade que não aguenta mais ser desmoralizada e vitimada.
E isso é fatalismo anunciado. Parafraseando Cesare Cantu, pensador italiano, que ensinou que a autoridade é necessária para tutelar a liberdade de cada um contra a invasão de todos, e a liberdade de todos contra os atentados de cada um, mostra, de forma vergonhosa, que o Estado brasileiro não ensina nem aprende. Talvez aí esteja a possibilidade de resposta para o oportuno questionamento da MM Carmem Lúcia e a perplexidade social em ver uma autoridade, que recém assumiu o STF, questionar sobre as mazelas centenárias do Estado brasileiro. Bingo Ministra. Agora é percorrer os longos e desiguais caminhos que, até agora, levou o país ao nada em que se tornou, infelizmente!
Adauto José de Carvalho Filho – AFRFB aposentado, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta.