Os anúncios de flexibilização das medidas de isolamento contra a Covid-19, feitos em vários estados, estão ocorrendo na época em que há maior circulação de vírus respiratórios no país, segundo séries históricas do InfoGripe, sistema de monitoramento da Fiocruz.
Avaliando os dados dos últimos anos considerados “regulares” (período de 2010 a 2015 e o ano de 2017), a incidência de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), que está associada à circulação dos vírus respiratórios, costuma ser maior exatamente nesta época na maior parte do país.
A incidência representa o número de casos de uma doença para cada 100 mil habitantes de uma determinada região.
Para entender padrões de circulação de vírus respiratórios, o país é classificado em quatro “regionais”: norte, sul, central e leste. Os períodos de maior ou menor circulação coincidem com características climáticas, explica Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe.
“Como tem um país continental, tem perfis climáticos diferentes. Se a gente olha o mapa climático do Brasil, consegue fazer uma divisão territorial que é similar ao que vê com base no perfil de circulação de síndromes respiratórias agudas graves”, esclarece.
Conforme esse padrão, na regional leste, a incidência de SRAG começa a aumentar de meados para final de abril (semana epidemiológica 17) e só começa a cair de meados para final de junho (semana 25), para ter uma queda maior em meados de julho (semana 29).
A semana epidemiológica é uma convenção usada internacionalmente que vai de domingo ao sábado de uma determinada semana. Nesta segunda-feira (1º), o Brasil está no segundo dia da semana epidemiológica 23.
Isso significa dizer que, na prática, os estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará ainda estão no meio da época de maior incidência de SRAG .
Apesar disso, já houve sinalizações de abertura por governos e prefeituras da região. Em Pernambuco, o governo decidiu, no domingo (31), que não vai renovar a quarentena no Grande Recife. Na Bahia, várias prefeituras decidiram reabrir os comércios a partir desta segunda ou estudam a medida. Outras já haviam feito o mesmo.
Retomadas semelhantes também foram determinadas ou são planejadas no Rio Grande do Norte, no Espírito Santo e no Ceará, onde comerciantes furaram o bloqueio total (lockdown) no sábado (30). O estado é o terceiro com maior número de casos no país, segundo levantamento do Ministério da Saúde.
Já na regional sul, que engloba os estados do Sul, São Paulo e Minas Gerais, o momento de maior incidência de SRAG ainda está no início: ela começa a ter mais casos entre meados e final de maio (semana 21) até os dias entre o final de julho e início de agosto (semana 31).
Apesar disso, vários estados na região também já começaram a sinalizar aberturas: no Paraná, o governo estabeleceu, na semana passada, regras para funcionamento de shoppings e centros comerciais. Em São Paulo, o governo anunciou flexibilizações e aberturas econômicas a partir desta segunda.
Em Porto Alegre, a prefeitura liberou o funcionamento de bares, restaurantes, shoppings e museus, com restrições, no dia 19. Já em Belo Horizonte, o chegou a iniciar a abertura gradual no dia 25, mas decidiu não continuar a retomada. Em Santa Catarina, os casos de Covid-19 triplicaram depois da abertura do comércio, em meados de abril.
Para Gomes, do ponto de vista epidemiológico e de saúde pública, uma abertura agora é precipitada e arriscada.
Na parte central do país (estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Piauí, Maranhão e Distrito Federal), a época de maior incidência de SRAG ainda não começou para este ano.
Por estar localizada entre o Norte e o Sul, a época do pico de SRAG varia: pode ser ou no final de março (semana 13) ou em meados de julho (semana 29).
“Ela acaba ficando no meio do caminho. Quando tem um surto forte no começo do ano na regional norte, isso muitas vezes também acaba fazendo com que o padrão da regional centro também seja mais cedo”, explica Gomes.
Ele explica que, pela curva de crescimento dos casos nessa região, a época de maior incidência de SRAG ainda não passou. O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, alertou que o efeito da pandemia no interior do país ainda está por vir.
Mesmo assim, também há flexibilizações ocorrendo nos estados. A segunda maior cidade do Maranhão reabriu o comércio, e também houve suspensão de algumas restrições no Distrito Federal.
A regional norte (que engloba Acre, Rondônia, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará) é a única em que o pior pode já ter passado. A maior incidência de SRAG normalmente começa em meados de março (semana 12) e começar a cair no início de maio (semana 19), diminuindo mais no final de junho (semana 26).
Em uma transmissão vivo na última sexta-feira (29), o secretário substituto de Vigilância em Saúde interino, Eduardo Macário, pontuou que a região Norte já vive o fim da sazonalidade das doenças respiratórias.
“A dinâmica da transmissão do Covid é diferente em relação a cada localidade. Estamos passando já por um término do período de sazonalidade para a transmissão de vírus respiratórios nas regiões Norte e Nordeste, e por isso que elas foram as mais afetadas nesse momento em termos de pressão hospitalar e também do número de casos e de óbitos”, disse.
O Amazonase o Pará anunciaram, na semana passada, planos de abertura a partir desta segunda (1º).
Para Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe, um dos fatores que devem ser considerados ao considerar o relaxamento das medidas é, justamente, o número de novos casos. Se esse número ainda estiver aumentando ou mesmo se estabilizando, significa que o vírus ainda está presente.
Um dia depois do anúncio de flexibilizações em São Paulo, por exemplo, o estado registrou o número mais alto de novos casoscasos para um período de 24 horas desde o início da pandemia: 6.382.
Outro fator a ser considerado na abertura é a capacidade hospitalar para atender novos pacientes, afirma Gomes.
“Se ainda não está numa fase de declínio – não apenas decair, mas decair bastante o número de novos casos – a gente não deveria falar em flexibilização do isolamento social, porque a rede hospitalar ainda está sobrecarregada e a gente ainda está com o vírus circulando. Se flexibilizar, vai ter um aumento do número de novos casos com uma rede que não vai conseguir dar conta”, avalia.
Fonte: G1
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